Modelo de isolamento da Suécia contra Covid-19 não deve ser seguido pelo Brasil, opina cientista sueco

Tânia Rêgo / Agência Brasil

Com bilhões de pessoas confinadas no mundo pela quarentena em tempos de coronavírus, a estratégia dissonante adotada pela Suécia tem sido citada por partidários do isolamento vertical no Brasil como um modelo a ser seguido.

Mas na avaliação de um dos principais cientistas suecos, uma série de fatores indica que o isolamento horizontal seria o melhor rumo a ser seguido pelo Brasil.

Único país nórdico a não adotar o isolamento horizontal, a Suécia também já lidera o número de mortos pelo coronavírus na região. “A ciência ainda não tem respostas conclusivas em relação à Covid-19. Mas faço aqui uma suposição: países como o Brasil, que apresentam características como alta densidade populacional e outros fatores de forte impacto para os índices de mortalidade, provavelmente deveriam adotar medidas mais restritivas para a contenção do vírus. E a quarentena é uma delas”, disse em entrevista à RFI Paul Franks, professor de Epidemiologia Genética da Universidade de Lund (sul da Suécia) e professor adjunto da Harvard Chan School of Public Health em Boston (EUA).

Para incredulidade até de determinados setores da comunidade científica sueca, a Suécia permanece em um cenário pré-coronavírus: restaurantes, lojas, shopping centers, creches e escolas do ensino fundamental continuam abertos, embora seja notável a redução do movimento nas ruas.

A maior parte da população segue as orientações do governo sobre distanciamento social, e o isolamento dos idosos é particularmente recomendado. Em grande número de empresas, o trabalho passou a ser realizado de forma remota.

Em termos dos fatores determinantes para as diferentes linhas de atuação no combate à Covid-19, o professor Paul Franks nota, entretanto, que são diversos os contrastes entre Brasil e Suécia – país que tem uma população de apenas dez milhões de habitantes. Ele observa que um dos principais fatores de risco para a disseminação do vírus é a densidade populacional – que na Suécia, ao contrário do Brasil, é extremamente baixa.

“Já em uma cidade como São Paulo, por exemplo, a densidade populacional é significativamente alta, o que pode acarretar taxas de transmissão do vírus também muito altas”, destaca Franks, que foi recentemente listado no ranking mundial do 1% de autores mais citados nas diferentes áreas do conhecimento.

Fator climático

O país escandinavo também apresenta o mais alto índice em toda a Europa de lares habitados por uma só pessoa. Já no Brasil, o elevado número de comunidades carentes – onde famílias inteiras dividem poucos cômodos, e onde há falta de saneamento básico e acesso a água potável – é um fator agravante na luta contra a Covid-19.

“A demografia brasileira difere em alto grau da dinâmica sueca, principalmente em termos da coabitação entre gerações, com um grande número de lares no Brasil em que crianças e idosos dividem o mesmo espaço. Crianças são vetores de propagação do coronavírus, e a coabitação entre gerações também é mais comum na Itália, que apresenta altas taxas de mortalidade entre idosos”, acrescenta Franks.

O professor também destaca o fator climático: embora o impacto do clima sobre a disseminação da Covid-19 ainda seja desconhecido, estudos realizados com outros tipos de coronavírus sugerem que altas temperaturas e umidade relativa podem reduzir a transmissão do vírus.

A Suécia se aproxima do verão, enquanto o Brasil caminha para o inverno”, observa ele. É preciso considerar ainda as diferenças culturais entre Brasil e Suécia, diz o especialista sueco – particularmente no que se refere às atitudes em relação à ciência e à confiança nas autoridades.

“A Suécia, e os países nórdicos em geral, acreditam na ciência e são guiados pelo conhecimento científico. E do ponto de vista civil, são sociedades que possuem altos índices de confiança nas autoridades e que seguem majoritariamente e de forma responsável as orientações estabelecidas por elas”, ressalta Paul Franks.

Outra consideração a ser levada em conta, segundo ele, é o fator genético. Ainda não se sabe em que medida o DNA contribui para a suscetibilidade ao coronavírus, mas a ciência trabalha com a hipótese de que características genéticas podem tornar a contaminação pelo vírus mais ou menos provável.

Em razão destas diferenças estruturais, o cientista sueco pondera que a estratégia sueca de combate ao coronavírus não seria o melhor exemplo a ser seguido pelo Brasil.

// RFI

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