“Tive um acidente de carro e vi tudo acontecer em câmara lenta. Vi o espelho retrovisor cair, a expressão no rosto do outro motorista e o carro sendo esmagado.” Relatos como este são comuns durante palestras do neurocientista David Eagleman, que explicou à BBC suas experiências sobre o “efeito câmara lenta” e as conclusões.
“O meu interesse pelo tempo e pela passagem do tempo surgiu porque, quando tinha oito anos, caí do telhado de uma casa em construção. E a queda pareceu demorar muito tempo”, conta Eagleman.
“Primeiro pensei: será que consigo me segurar no telhado, será que consigo virar o meu corpo, será que tenho tempo para isso? Pensei no livro Alice no País das Maravilhas, e em como devia ter sido parecido para ela, quando caiu no buraco do coelho. Finalmente, caí no chão e perdi a consciência”, conta o cientista.
Anos mais tarde, Eagleman estudou física e conseguiu calcular quanto tempo durou sua queda. “Descobri que demorou apenas uma fração de segundo, oito décimos de um segundo. Fiquei realmente surpreendido”.
Depois, David Eagleman estudou neurociência e, hoje, dedica grande parte das suas pesquisas à percepção do tempo. Uma pista importante, diz o especialista, é que essas distorções na percepção do tempo ocorrem quando as pessoas vivem situações extremas, momentos marcantes, que podem mudar suas vidas.
A experiência
Eagleman explica que queria investigar o seguinte: a sensação de “câmara lenta” acontece porque o tempo está mesmo passando mais lentamente ou porque a pessoa está criando mais memórias durante o episódio?
Para saber a resposta, o cientista levou sua equipe para um parque de diversões. O seu objetivo era encontrar um carrossel tão assustador que fosse capaz de produzir, em voluntários, uma distorção na percepção do tempo.
A atividade selecionada foi o “SCAD Diving”, um tipo de mergulho no ar. Os participantes sobem de elevador para o topo de uma torre com cerca de 45 metros de altura e, depois de serem presos com um gancho e uma corda, são libertados e caem de costas, em queda livre, para uma rede.
Para saber se os voluntários estavam sentindo o efeito “câmara lenta” durante a queda, Eagleman colocou no pulso dos participantes um monitor que piscava com números diferentes e a velocidades diferentes – o objetivo era saber com que rapidez a pessoa estava vendo o mundo.
“Se alguém está vendo o mundo em câmara lenta, como o Neo no filme Matrix, será capaz de ler os números do monitor sem dificuldade. Mas, se está vendo o mundo a uma velocidade normal, não vai conseguir ler as imagens no aparelho porque estão passando rápido demais”, afirmou.
Conclusões
No entanto, Eagleman ficou desiludido ao analisar os relatos sobre o que os participantes tinham conseguido ler nos monitores de pulso durante suas quedas.
“Fizemos muitas análises sobre isso e eu esperava que a resposta fosse sim, mas não foi. As pessoas não estavam realmente vendo em câmara lenta, não conseguiam ler mais rapidamente do que liam quando fizemos testes no solo”, disse.
Em vez disso, o que acontece é que, durante uma queda, ou um evento que coloca a nossa vida em risco, uma certa área do cérebro entra em ação, explica o cientista: a amígdala.
Essas pequenas estruturas em forma de amêndoa – são duas, situadas no interior do cérebro, na região temporal, dos dois lados da cabeça – são fundamentais para a autopreservação. Identificam o perigo, gerando medo e ansiedade e pondo a pessoa em situação de alerta, pronta para fugir ou lutar.
“A amígdala é, basicamente, um sistema secundário de memória que forma outra camada de memórias. Então, a pessoa está formando uma quantidade tão grande de memórias que, quando resgata toda aquela informação, tem a impressão de que aquele episódio demorou muito tempo”, diz Eagleman.
“É apenas um truque da memória. A nossa noção de tempo está vinculada à nossa memória”, destacou.
BBC // ZAP