O planeta Vulcano não existe – e outras coisas que aprendemos com eclipses

NASA

Durante mais de meio século, cálculos de conceituados cientistas apontaram para a existência de um planeta na órbita entre Mercúrio e o Sol, que nunca chegou a ser localizado.

“Três chamas comeram o Sol, e grandes estrelas foram vistas“.

Assim diz o relato de um eclipse grafado em um osso da antiga China. Quase 3.300 anos mais tarde, um astrônomo da NASA conseguiu identificar a data desse eclipse (1302 A.C.) e usar essa informação para calcular quanto a rotação da Terra tinha desacelerado desde então. Resposta: 47 milésimos de segundo por dia.

Esta não foi a primeira vez que os cientistas usaram informação recolhida durante um eclipse para avançar com o conhecimento científico.

Em 1919, os astrônomos usaram um eclipse para provar a Teoria da Relatividade de Einstein. Em 1878, os astrônomos aguardavam com grande ansiedade o épico eclipse solar que nesse ano presenteou todo o território dos Estados Unidos – na sombra do qual esperavam encontrar evidências de Vulcano, o misterioso planeta escondido.

Infelizmente para todos os fãs do capitão Kirk, não houve como encontrar qualquer traço do planeta mítico. Vulcano continuou o “planeta escondido” e sua existência um dos mais desconcertantes fenômenos do Sistema Solar.

Procurado durante 56 anos, tornou-se um planeta hipotético, até que o físico alemão Albert Einstein o “expulsou” do céu com a Teoria da Relatividade.

“É um planeta, ou se preferir, um grupo de planetas menores que circulam na proximidade da órbita de Mercúrio”, propôs em 1859 Urbain Joseph Le Verrier, o mais famoso astrônomo do mundo na época e diretor do Observatório de Paris. Ele dizia que só um planeta “seria capaz de produzir a perturbação anômala sentida por Mercúrio”.

Le Verrier não foi o primeiro a suspeitar da presença do planeta escondido. Anos antes, em 1846, um diagrama do Sistema Solar elaborado para escolas e academias já indicava a presença de Vulcano. Mas foi a sólida reputação de Le Verrier que deu peso à hipótese da existência de Vulcano.

Treze anos antes de indicar a existência de Vulcano, Le Verrier já tinha apresentado à academia francesa a hipótese de um planeta que perturbava a órbita de Urano.

Enviou uma carta a Johann Galle, do Observatório de Berlim, que, ao recebê-la, em 23 de setembro de 1846, imediatamente se dedicou a encontrar o planeta até então desconhecido: era Netuno e Le Verrier tinha apontado para a sua existência através de cálculos matemáticos.

Assim como Mercúrio, Urano também mostrava uma pequena discrepância na órbita que não podia ser explicada pela força da gravidade dos outros planetas e do Sol.

No entanto, a partir da lei da gravitação universal – formulada por Isaac Newton em 1687 – e supondo a presença e o movimento de um corpo celestial mais distante do que Urano, Le Verrier conseguiu não só descobrir um planeta novo como também se consagrou na posição de “astro” da ciência.

Para resolver a incógnita de Mercúrio, cujo periélio (o ponto em que um planeta se encontra mais próximo do Sol) parecia mudar ligeiramente a cada órbita, Le Verrier seguiu o mesmo método usado anteriormente.

Ao calcular a influência da atração gravitacional de Vênus, Terra, Marte e Júpiter, as previsões sobre a órbita de Mercúrio pareciam estar sempre ligeiramente erradas. Mercúrio nunca estava onde indicavam as projeções, baseadas nos conhecimentos da época.

A solução para o enigma deveria ser, como aconteceu no caso de Urano, a presença de outro planeta, no caso, Vulcano. Só faltava encontrá-lo para provar sua existência.

Um passo promissor aconteceu quando Edmond Modeste Lescarbault, um médico com gosto por astronomia, observou com seu telescópio um ponto preto que passava diante do Sol, anotando o tamanho, velocidade e duração da deslocação.

Passados alguns meses, depois de ler sobre o hipotético planeta de Le Verrier, enviou a ele uma carta com todos os detalhes. O famoso astrônomo foi visitá-lo, verificou o equipamento e as notas do médico e anunciou com entusiasmo a descoberta de Vulcano, no início da década de 1860.

No entanto, ainda era necessária a confirmação de um especialista independente – e o novo planeta era extremamente difícil de detectar. Vulcano parecia ser um dos últimos enigmas do Sistema Solar e se tornou um dos corpos celestes mais procurados da astronomia.

Ao longo dos anos, astrônomos profissionais e amadores anunciaram ter avistado Vulcano. Mas a existência do planeta foi confirmada e negada várias vezes. A imprensa divulgou a notícia da sua existência mais do que uma vez e a especulação persistiu até o século 20, mais precisamente até novembro de 1915.

A busca por Vulcano acabou tendo um fim na Academia Prussiana de Ciências, quando Albert Einstein alterou a visão corrente sobre o Universo com a Teoria da Relatividade. Pouco antes de apresentar a teoria, Einstein a usou para explicar a discrepância na órbita de Mercúrio.

“Einstein não só disse ‘os meus cálculos são melhores’, como ainda disse que é preciso mudar completamente a ideia que têm das características da realidade“, explicou Thomas Levenson, professor do MIT, nos EUA, e autor do livro The Hunt for Vulcan (A Caçada por Vulcano, em tradução livre).

O cerne da Teoria da Relatividade de Einstein é que o espaço e o tempo não são estáticos. Para justificar quão peculiar é a órbita de Mercúrio, Einstein argumenta que um objeto maciço, no caso o Sol, foi capaz de dobrar o espaço e o tempo e ainda alterar o caminho da luz, de modo que um raio, quando passa próximo ao Sol, viaja por um caminho curvo.

Com os cálculos, Einstein demonstrou que a relatividade geral predizia a diferença observada no periélio mercuriano. “Negar a existência de Vulcano foi central para Einstein, porque mostrou que essa sua ideia estranha e radicalmente nova de que o espaço e tempo fluem é realmente o caminho certo para ver o Universo”, disse Levenson.

Mercúrio, de acordo com a teoria de Einstein, não tinha a órbita alterada por nenhum outro objeto. Simplesmente, moveu-se através de um espaço-tempo distorcido. Assim, “Vulcano foi expulso do céu astronômico para sempre”, escreveu o mestre Isaac Asimov no ensaio científico O Planeta Que Não Era, de 1975.

Depois disso, as técnicas de observação das estrelas evoluíram, os instrumentos tornaram-se melhores. Plutão deixou de ser planeta para voltar a ser novamente (embora anão), foi descoberto o Planeta 9, há quem diga que estamos à beira de descobrir ainda o Planeta X – e tal como previra Einstein, nem vestígios de Vulcano.

E os românticos que ainda esperavam vislumbrar Vulcano na sombra do épico eclipse que no passado dia 21 de agosto cobriu parte da Terra, apenas encontram evidência de que Einstein tinha razão: o planeta está escondido porque não existe.

Ciberia // BBC / ZAP

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