Em discurso nas Nações Unidas, presidente usa tom de confronto, diz ser falácia chamar Amazônia de patrimônio da humanidade e fala em ameaça estrangeira à soberania brasileira. Ainda faz críticas à mídia e ao socialismo.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira (24/09) que é uma “falácia dizer que a Amazônia é um patrimônio da humanidade” e disse que seu governo tem “compromisso solene com a preservação do meio ambiente”.
Em seu primeiro pronunciamento na ONU como chefe de Estado brasileiro, na abertura da 74ª Assembleia Geral da entidade, Bolsonaro usou um tom de confronto, repetindo o estilo que usou nas eleições de 2018, ao mesclar denúncias sobre uma suposta ameaça de um “globalismo” socialista que colocaria em risco a soberania brasileira e acusações contra a imprensa internacional.
O discurso era cercado de expectativas diante do derretimento da imagem do Brasil no exterior nos últimos meses por causa das queimadas na Amazônia e da má repercussão de uma série de controvérsias produzidas pelo próprio governo Bolsonaro. Ao final, no entanto, o presidente evitou usar frases conciliadoras, preferindo usar o palco internacional para falar de temas que têm apelo entre seus apoiadores brasileiros, entre eles membros da direita nacionalista e setores evangélicos.
Bolsonaro repetiu sete vezes a palavra “ideologia” e suas variações em tom de denúncia, afirmando, por exemplo, que “a ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que Ele nos revestiu”.
O conteúdo do discurso foi elaborado com a participação do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, do assessor internacional do Planalto Filipe Martins e de um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) – todos seguidores do ideólogo ultraconservador Olavo de Carvalho.
Escancarando a influência olavista no discurso, o presidente destacou que foi à ONU para apresentar um “novo país”, que, segundo ele, no passado recente esteve “à beira do socialismo”. Ele ainda distribuiu ataques a Cuba e Venezuela, países que chamou de “ditaduras” e lar de “regimes nefastos”, e mencionou o Foro de São Paulo, uma organização internacional que reúne partidos de esquerda e que há décadas é usada para alimentar teorias conspiratórias entre membros da direita radical brasileira.
“O Foro de São Paulo, organização criminosa criada em 1990 por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez para difundir e implementar o socialismo na América Latina, ainda continua vivo e tem que ser combatido”, disse o presidente.
Bolsonaro também criticou a imprensa e mencionou “falácias” proferidas pela mídia e por líderes de outros países, que teriam tratado o assunto referente à Amazônia de “forma desrespeitosa”. Ele insistiu que a Amazônia “permanece praticamente intocada”, uma prova, segundo ele, de que o Brasil “é um dos países que mais protegem o meio ambiente”.
“Questionaram aquilo que nos é mais sagrado, a nossa soberania”, afirmou o presidente, após dizer ser um equívoco afirmar que a Amazônia é o pulmão do mundo e patrimônio da humanidade. “Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa e com espírito colonialista.”
A afirmação é uma menção ao presidente da França, Emmanuel Macron, com quem Bolsonaro se envolveu numa prolongada troca de farpas, em meio ao desmatamento e às queimadas na Amazônia.
Ainda segundo o presidente brasileiro, enquanto países como Alemanha e França usam 50% de sua área para agricultura, o Brasil usa somente 8%.
Bolsonaro ainda fez menção agressiva ao líder indígena brasileiro Raoni, que nos últimos meses vem denunciando internacionalmente as políticas ambientais e indigenistas do atual governo. “A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros.”
Ele destacou que 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena e condenou o que chamou de “ambientalismo radical e indigenismo ultrapassado, que representa o atraso, a marginalização e a total falta de cidadania”.
“Nossos nativos são seres humanos, como qualquer um de nós”, argumentou, garantindo que não vai “aumentar para 20% a área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estado gostariam que acontecesse”.
Segundo o presidente, “os que nos atacam não estão preocupados com o ser humano índio, mas sim com as riquezas minerais e a biodiversidade existentes nessas áreas”. “A ONU teve papel fundamental na superação do colonialismo e não pode aceitar que essa mentalidade regresse a estas salas e corredores, sob qualquer pretexto”, acrescentou.
Acenando para os evangélicos, Bolsonaro ainda disse ser “inadmissível que, em pleno século 21 […] ainda haja milhões de cristãos e pessoas de outras religiões que perdem sua vida ou sua liberdade em razão de sua fé”.
Próximo do final do discurso, ele ainda citou, como já havia feito em discursos no Brasil, um versículo da Bíblia: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
O presidente também mandou um recado para a própria ONU, com o mesmo tom de denúncia ao suposto “globalismo”. “Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um ‘interesse global’ abstrato. Esta não é a Organização do Interesse Global! É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer!”
Tradicionalmente, desde 1949 cabe ao presidente do Brasil fazer o discurso de abertura, seguido do presidente dos Estados Unidos. Bolsonaro foi o oitavo presidente brasileiro a abrir os debates. O primeiro chefe de Estado brasileiro a falar no encontro foi João Figueiredo. Desde então, somente Itamar Franco não chegou a discursar na Assembleia Geral da ONU.
Pelas redes sociais, o presidente disse antes do discurso que sua fala seria “a oportunidade de apresentar ao mundo o Brasil que estamos construindo“. Antes, ele havia adiantado que seu pronunciamento abordaria temas como patriotismo e soberania, com intuito de mostrar as ações do governo brasileiro para preservar o meio ambiente.
O presidente chegou a Nova York na tarde de segunda-feira, acompanhado de comitiva integrada, entre outros, por ministros, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro – que deve participar de um evento do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) –, e o deputado Eduardo Bolsonaro. O retorno dele ao Brasil está previsto para esta terça-feira.