“Operação Maleta Verde”, o escândalo que atinge governo e oposição na Venezuela

Fotos Públicas

Juan Guaidó, presidente do Parlamento da Venezuela

Com semblante mais sério que de costume, Juan Guaidó, reconhecido como presidente interino da Venezuela pelos Estados Unidos, pelo parlamento da União Europeia e por vários países da América Latina, dirigiu-se a jornalistas reunidos em uma inesperada entrevista coletiva no domingo.

Ele sabia que uma bomba política havia acabado de explodir. O portal investigativo Armando.info havia publicado naquele dia que deputados de vários partidos da oposição teriam sido comprados.

Os acusados teriam concordado em fazer manobras a favor de vários empresários da órbita do chavismo investigados em diferentes instâncias internacionais por sua participação em um esquema de corrupção ligado aos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap), que é o sistema de distribuição de alimentos a preços subsidiados realizado pelo governo de Nicolás Maduro.

Guaidó, atual presidente da Assembleia Nacional, disse que é “inaceitável usar uma instituição do Estado para tentar beneficiar corruptos e ladrões que saquearam a Venezuela o tempo todo” e prometeu uma investigação.

Mas a já conhecida “Operação Maleta Verde”, como foi batizada pelo deputado José Guerra, que foi quem primeiro se referiu publicamente a ela, já estava em andamento e os danos políticos ao governo e à oposição ainda serão quantificados.

No Twitter, Guerra escreveu que “operadores financeiros do regime com maletas cheias de dólares” tentaram comprar deputados.

Do que os deputados são acusados?

Segundo as informações publicadas em Armando.info, deputados de diferentes partidos da oposição, incluindo Vontade Popular (ao qual Guaidó pertence), agiram em instâncias como o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e o Ministério Público da Colômbia para que eles parassem de investigar os empresários envolvidos na suposta rede de corrupção em torno do sistema Clap.

Os envolvidos chegaram a enviar cartas endereçadas a autoridades estrangeiras atestando que não havia investigações em andamento na Venezuela contra esses empresários.

O deputado Luis Eduardo Parra Rivero, do partido Primero Justicia, é acusado de ter negociado com o empresário colombiano Carlos Lizcano para que o grupo de parlamentares trabalhasse em defesa dos envolvidos.

Como o governo de Nicolás Maduro está envolvido

A oposição, com Juan Guaidó à frente, denunciou insistentemente que a corrupção generalizada nos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro arruinou a Venezuela.

As implicações desse escândalo afetam tanto o governo quanto a oposição.

O escândalo em torno das caixas Clap estourou em maio de 2018, quando investigações jornalísticas revelaram que os empresários colombianos Alex Nain Saab Morán e Álvaro Enrique Pulido Vargas haviam se beneficiado de contratos milionários com o governo de Maduro para a distribuição dos produtos das caixas Clap.

A Clap é uma das grandes apostas de Maduro, que a descreveu como “a comida que chega às famílias” diante do “bloqueio do império”, em referência às sanções dos Estados Unidos.

Segundo as informações publicadas, empresas ligadas à rede de negócios de Saab e Pulido obtiveram ganhos milionários por sua participação neste programa, que também estaria fornecendo alimentos de baixa qualidade à população.

Em julho, Saab foi sancionado pelo Departamento do Tesouro dos EUA por “participar com infiltrados de Maduro na condução de uma rede de corrupção em larga escala que eles usaram cruelmente para explorar a faminta população venezuelana”.

Perde a política, Maduro vence

Nada poderia causar mais danos a Guaidó e à oposição venezuelana do que aparecerem como cúmplices do mesmo chavismo que eles acusam de ter saqueado a Venezuela e que dizem combater.

E a rápida reação de Guaidó, distanciando os parlamentares envolvidos e ordenando uma investigação na qual ele convidou a mídia a participar, está longe do que é habitual quando o governo é envolvido em um escândalo. Maduro geralmente responde às acusações que pesam sobre autoridades e até membros de sua família alegando que é vítima de uma “guerra midiática”.

O que provavelmente permanecerá, no fim das contas, será um sentimento de descrédito geral da política que poderia levar muitos venezuelanos a pensar que ambos os líderes são igualmente corruptos. De fato, muitos já pensam assim.

Essa espécie de “tudo vale, nada importa” alimenta o desinteresse da castigada população venezuelana pela política, uma dificuldade adicional para as tentativas de Guaidó de tirar Maduro do poder por meio da mobilização popular.

Enquanto isso, Maduro observa do palácio de Miraflores como as facadas voam novamente em público entre seus rivais e, nos Estados Unidos, Donald Trump permanece muito mais ocupado com sua reeleição e em se defender contra o “impeachment” do que com a Venezuela.

Quais foram as reações

Mesmo antes da divulgação das informações jornalísticas que envolvem os membros do Comitê de Controladoria, seu presidente, Freddy Superlano, enviou uma carta a Guaidó anunciando sua decisão de se “separar” temporariamente do cargo “em nome da facilitar as investigações necessárias sobre as recentes acusações públicas” e instou os outros integrantes da comissão a seguirem o mesmo caminho.

Superlano disse que essa etapa não implica “reconhecimento ou responsabilidade” em irregularidades.

Já no domingo, Guaidó anunciou a “intervenção e reestruturação imediata” da Controladoria e uma investigação aberta e pública na qual organizações não-governamentais e a mídia independente seriam convidadas a participar.

Ele também disse que todas as cartas ou documentos emitidos por membros da Assembleia que exoneram empresas ou cidadãos “ligados à corrupção” seriam anulados.

A alta cúpula do governo ainda não falou sobre o assunto, embora as acusações de corrupção contra membros da oposição ocupem amplo espaço há dias na mídia estatal.

Como o escândalo afeta Guaidó e Maduro

Nos últimos dias, as supostas irregularidades se tornaram um problema que cresceu como uma bola de neve para Guaidó.

Apenas 48 horas antes da informação sobre a compra de deputados da oposição, o recém-destituído “embaixador” na Colômbia, Humberto Calderón Berti, deu uma entrevista coletiva em Bogotá. Ele acusou o entorno de Guaidó de manuseio inadequado dos fundos destinados à operação que em 23 de fevereiro tentou levar “ajuda humanitária” para a Venezuela e falou de pagamentos indevidos em “prostitutas e bebidas alcoólicas” que seriam investigados pelo Ministério Público da Colômbia.

A polêmica ocorre logo depois que as últimas mobilizações de protesto convocadas pelo líder da oposição tiveram participação bem mais baixa do que era habitual nos primeiros meses do ano e no momento em que as rachaduras que tradicionalmente existiam no bloco da oposição venezuelana surgem novamente.

Se na semana passada a líder da Vente Venezuela, María Corina Machado, descreveu a demissão de Calderón Berti como “um grande erro”, nesta segunda-feira, o deputado José Brito, da Primero Justicia, foi além.

Brito, um dos deputados envolvidos na suposta conspiração de corrupção, chamou Guaidó de “vigarista”. Ele também o acusou de ter iniciado uma “guerra suja” para matar a “rebelião” existente contra ele dentro da Assembleia Nacional.

“Juan Guaidó e Nicolás Maduro são companheiros”, disse Brito, a quem seu partido decidiu expulsar depois que seu nome apareceu envolvido no escândalo.

Segundo o analista Luis Vicente León, da consultoria Datanálisis, “se a oposição entendesse o risco que corre, sua resposta seria unificada, deixando de lado por enquanto divisões internas e interesses individuais”.

Para León, embora também esteja envolvido, tudo o que está acontecendo beneficia o governo. “Qualquer que seja a estratégia de controle de danos usada pela oposição, o vencedor desta rodada é Maduro“, diz.

// BBC

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