Pela primeira vez no mundo, um homem que ficou cego devido a uma doença degenerativa da retina pode novamente distinguir formas e objetos. Tudo graças a uma tecnologia de ponta que combina terapia gênica e estimulação luminosa. “É a primeira vez que a optogenética mostra um resultado clínico”, afirmou José-Alain Sahel, fundador do Instituto da Visão, em Paris, e professor da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e da Sorbonne, na França.
É a primeira vez que esta técnica, denominada optogenética, permite obter a recuperação parcial da função visual, afirmam os investigadores deste ensaio clínico, que envolveu equipes francesas, suíças e americanas.
O paciente do estudo possui retinopatia pigmentosa, uma doença genética degenerativa do olho que destrói as células fotorreceptoras da retina, levando à perda progressiva da visão, que geralmente evolui para a cegueira.
Mesmo se ele só conseguia perceber a presença da luz, a terapia agora permite que ele localize e toque objetos, de acordo com o estudo, publicado na segunda-feira (24) na revista Nature Medicine.
Numa visão normal, os fotorreceptores na retina usam proteínas capazes de reagir à energia da luz, as opsinas, que fornecem informações visuais ao cérebro por meio do nervo óptico.
Para restaurar sua sensibilidade à luz, o paciente foi injetado com o gene que codifica uma dessas proteínas, chamado de ChrimsonR, que detecta a luz âmbar, descreve o estudo.
Notebook grande, caixa pequena
Quase cinco meses depois de receber a injeção, o paciente realizou diversos exercícios, munido de óculos especiais com câmera fotográfica, para dar ao corpo tempo de produzir essa proteína em quantidade suficiente. Projetados para a ocasião pelos pesquisadores, esses óculos permitem projetar imagens de cor âmbar na retina do paciente.
“Sete meses depois, o paciente começou a relatar sinais de melhora visual”, explicam em nota o Instituto de Visão (Universidade Sorbonne / Inserm / CNRS) e o hospital parisiense de Quinze-Vingts, especializado em oftalmologia. “Com a ajuda dos óculos, ele agora pode localizar, contar e tocar objetos.”
Em um primeiro teste consistindo em perceber, localizar e tocar um grande notebook e uma pequena caixa de grampos, o paciente conseguiu tocar o notebook em 92% dos casos, mas só conseguiu agarrar a caixa em 36% dos testes.
Um segundo exercício que consistia em contar copos em uma mesa teve sucesso em duas de cada três vezes (63%).
Para o terceiro teste, um copo era colocado ou retirado alternadamente da mesa e o paciente tinha que apertar um botão indicando se ele estava presente ou ausente, enquanto sua atividade cerebral era medida por meio de um capacete de eletrodos.
Um software interpretando os registros dos eletrodos afirmou que o paciente foi capaz de dizer com uma precisão de 78% se o copo estava presente ou não, “confirmando que a atividade cerebral está de fato relacionada à presença de um objeto e que, portanto, a retina não é mais cega”, afirmou o professor Botond Roska, um dos pesquisadores que lideraram o estudo.
Uma em cada 3.500 pessoas
“Se a optogenética, técnica que já existe há vinte anos, revolucionou a pesquisa fundamental em neurociências, esta é a primeira vez internacionalmente que essa abordagem inovadora é utilizada em humanos e que seus benefícios clínicos são demonstrados”, destacam as duas organizações francesas, que realizaram o ensaio clínico em associação com a Universidade de Pittsburgh, o Instituto de oftalmologia molecular e clínica de Basel, na Suíça, a empresa Streetlab e a empresa de biotecnologia francesa GenSight Biologics.
A retinopatia ou retinite pigmentosa afeta uma em cada 3.500 pessoas, segundo o banco de dados da Orphanet Europeia, e pode começar em qualquer idade, com maior frequência de ocorrência entre 10 e 30 anos. Os genes responsáveis são muito numerosos, mas certas mutações são frequentemente encontradas em pessoas com a doença.
“Cegos com diferentes tipos de doenças neurodegenerativas de fotorreceptores”, mas retendo “um nervo óptico funcional” serão “potencialmente elegíveis para tratamento”, explica o professor José-Alain Sahel, fundador em 2009 do Instituto de Visão, em Paris, dedicado à doença retinal. Segundo ele, ainda “levará algum tempo antes que esta terapia possa ser oferecida em grande escala”.
A Gensight Biologics, especializada em terapias gênicas para o tratamento de doenças neurodegenerativas da retina, “pretende lançar em breve um ensaio de fase 3 para confirmar a eficácia dessa abordagem terapêutica”, acrescentou Sahel.
// RFI