Há 50 anos envolvido em pesquisas sobre os efeitos de entorpecentes causados ao organismo humano, em especial a maconha, o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Elisaldo Carlini, de 87 anos, foi surpreendido ao ter sido intimado a depor em São Paulo sobre uma suposta “apologia ao crime”.
A acusação, que chegou em suas mãos por meio de uma correspondência, é fruto de uma polêmica envolvendo a organização do “5º Congresso Maconha e Seus Saberes”, realizado no fim de 2017.
Na ocasião, Elisaldo Carlini escreveu para o Centro de Progressão Penitenciária, em Hortolândia (SP,) pedindo a participação do fundador da primeira Igreja Rastafari do Brasil, Geraldo Antônio Baptista, conhecido como Ras Geraldinho e preso desde 2012 por tráfico de drogas.
Especializado em psicofarmacologia pela Universidade de Yale, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos, Carlini já em idade avançada e em tratamento de um câncer na bexiga, teve dificuldades para subir os degraus da sede do 16º Departamento de Polícia na zona sul de São Paulo e se mostrou indignado com o que chamou de “abuso inominável”.
O professor e pesquisador se descreveu incrédulo com o acontecido, mas garantiu não acreditar que o processo prospere, já que segundo ele “pobre e preto é quem vai para a cadeia”. Todavia, Carlini demonstrou preocupação com A lei antidrogas e com o que chamou de “jogada política contra sua posição”.
Elisaldo Carlini é um dos principais responsáveis pelo conhecimento maior acerca da relação entre os seres humanos e as drogas, tendo seu nome citado mais de 12 mil vezes em artigos internacionais, além de ter recebido inúmeros prêmios, como a Grande Ordem de Rio Branco, entregue no Palácio do Planalto em 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Assunto polêmico até os dias de hoje, nos anos 1970, quando dava início aos seus estudos, Carlini contrariou a tese da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a não existência de benefícios medicinais na maconha. “Na época, a maconha era considerada mais perigosa do que o ópio no Brasil”, explicou em entrevista ao UOL.
O fato também rendeu uma nota publicada pela reitoria e um conjunto de professores da Unifesp, que se mostraram consternados e apontaram uma tentativa de criminalizar Carlini em função de suas pesquisas.
“Em um momento no qual as universidades públicas, que desenvolvem pesquisa de qualidade, lutam para continuar realizando ciência e formação, além de projetos sociais, torna-se ainda mais importante defender a vida e a obra do professor Elisaldo Carlini. Também é fundamental defender a importância do desenvolvimento científico, sem o qual não se pode conquistar a evolução para a condição humana. É hora de defender a democracia e a universidade”, ponderou a universidade do interior de São Paulo.
O que diz a acusação?
Também por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo se limitou a informar que a Polícia Civil realizou o inquérito “a pedido do Ministério Público para apurar a palestra que acontecia na Unifesp”. A nota afirma ainda que ninguém foi indiciado.
Com todo o ocorrido, Elisaldo Carlini, em entrevista ao site da BBC, criticou a política de drogas e encarceramento do Brasil, mas pediu para que seus defensores não se manifestem contra os promotores públicos ou policiais civis.
“Enquanto vários países avançam neste tema, o Brasil ainda está na Idade Média. Temos que brigar para atualizar a lei, que é injusta e cruel, principalmente com jovens negros e pobres que são presos e mandados para uma sucursal do inferno”, declarou o professor.
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