Revistas anticomunistas de Hong Kong cessam publicação após 40 anos de resistência

Hong Kong Free Press

Última edição da Cheng Ming e da The Trend.

A revista anticomunista Cheng Ming, sediada em Hong Kong, anunciou que iria cessar suas publicações depois de quarenta anos na imprensa. Sua revista irmã, The Trend, também vai desaparecer das prateleiras.

Muito embora a decisão esteja relacionada à morte recente do fundador dos dois boletins informativos, muito se questionou se o desaparecimento de revistas que vinham criticando o Partido Comunista da China ao longo dos últimos anos não significaria o fim da liberdade de impressa em Hong Kong.

A Cheng Ming era mensalmente impressa desde 1º de novembro de 1977, enquanto a The Trend começou a ser publicada um ano depois. A dupla fez uma última edição conjunta em 1º de outubro, a fim de dar aos membros da equipe das duas revistas a oportunidade de dizer adeus aos leitores.

Apesar de as razões para o encerramento não estarem claramente expostas, o texto de despedida agradeceu aos leitores pelo seu apoio ao longo de 4 décadas.

“Nesses 40 anos, as duas revistas serviram de plataforma de liberdade de expressão para clamar pela democracia, pelos direitos humanos, pela liberdade, e para criticar a ditadura e a corrupção – fomos testemunhas da história… Foi um prazer para as duas revistas comportar o sonho e a missão de uma geração, deixando para trás nossas pegadas… foi um prazer fazer humildes contribuições com nossos tão limitados recursos e capacidades.”

O editor fundador das duas revistas, Wen Hui, nasceu em Cantão, China, em 1921 e se mudou para Hong Kong na década de 1940. Ele se juntou às agências de notícias secretas do Partido Comunista da China em Hong Kong, antes de ser transferido para o jornal Wen Wei Po. Porém, foi recusado como membro do partido após a Revolução Cultural.

As duas publicações foram criticadas pelo partido como sendo “contrarrevolucionárias”, depois de um artigo escrito por Wen em 1982, censurando o líder chinês Deng Xiaoping. Wen partiu de Hong Kong para os Estados Unidos em 1997.

Gao Yu, um jornalista veterano na China continental, fez uma minuciosa análise, no Twitter, de como Wen emergiu como um autêntico editor dissidente.

[Adeus ao Sr. Wen Hui. Adeus ao Cheng Ming] Depois do fim da Revolução Cultural, no segundo ano, um grupo de velhos editores que tinham muitas ligações com o Partido Comunista da China montou algumas casas de impressão com o consentimento do Departamento de Trabalho da Frente Unida, do Escritório de Assuntos dos Chineses do Ultramar e do Escritório de Hong Kong e Macau. Eles tiveram o papel de libertar o pensamento das pessoas das influências do maoismo.

Contudo, em 30 de março de 1979, em uma reunião do Grupo de Trabalho da Teoria do Partido, Deng Xiaoping lançou o ideário dos “Quatro Princípios Cardinais” (que eram: apoiar o caminho socialista, a ditadura do proletariado, a liderança do Partido Comunista e o pensamento marxista-leninista de Mao Zedong). Como resposta, o grupo formado pelas revistas criticou abertamente. Porém, sob imensas pressões políticas, alguns editores tiveram que reconsiderar seus posicionamentos ante o público. Wen Hui foi o único a continuar firme na luta contra os “Quatro Princípios Cardinais“. Sua revista, Cheng Ming, foi a partir de então rotulada como uma publicação “contrarrevolucionária”. Eu estava trabalhando para o China News e testemunhei como a máquina propagandista abafou a Cheng Ming. Mas ela está sendo distribuída cada vez mais e mais, e já conseguiu um número de 80.000 cópias vendidas por edição.

Os desaparecimentos dos vendedores de livros de Hong Kong (em 2015) atingiram fortemente o setor editorial da cidade. Além disso, sob as Operações Azul/Dourada/Amarela (segundo Guo Wengui, bilionário chinês exilado que afirmou ter trabalhado para a rede de espionagem da China, essas operações são designadas para exercer o controle sobre o setor político e de negócios nas comunidades chinesas do ultramar), Hong Kong não tem mais liberdade de imprensa e não é mais um centro da imprensa global. O momento da publicação da última edição da Cheng Ming e da The Trend, logo antes do 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, em 1º de outubro (…) está relacionado com o falecimento de Wen Hui, então com 96 anos de idade. Deveríamos aqui saudar esse velho homem que se manteve firme na sua crença por toda sua vida. Seu discurso sobre a luta contra os Quatro Princípios Cardinais, levado até o fim de sua vida, será lembrado na história.

Citando fontes anônimas, o Oriental Daily relatou que o fechamento estava relacionado com a morte de Wen, que faleceu há poucos dias, com a idade de 96 anos, em Nova Iorque. Sua família disse não querer continuar publicando as revistas, as quais vem perdendo lucro.

Entretanto, existem muitos como Gao Yu, que acreditam que esse fechamento representa simbolicamente o fim da liberdade de imprensa em Hong Kong. Por Exemplo, @Moli, uma escritora chinesa residente no estrangeiro, que prestou contribuição a algumas revistas contrárias ao Partido Comunista da China em Hong Kong, exclamou no Twitter:

As três revistas com as quais contribuo desde longa data, a Open Magazine (fechada em dezembro de 2014), a The Trend e a Cheng Min, todas cessaram suas atividades. Queria escrever algo mas encontro-me sem palavras. Em uma era como esta, o que eu posso falar?

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