Os restos mortais da “Rainha Vermelha”, encontrados em 1994, em Palenque, no México, mostram que ela era uma figura da alta sociedade.
Parecia cena de crime: cadáveres de uma criança com a garganta cortada e de uma mulher, cujo coração foi removido, deitados ao lado de um sarcófago, esculpido em um único pedaço de pedra, com 2,40 metros de comprimento e 1,18 metro de largura.
Além das pedras de jade no interior do túmulo, havia também ossos e conchas cobertos por um tipo de poeira avermelhada, proveniente de um minério chamado cinábrio que era usado para preservar restos mortais.
O sarcófago foi encontrado em junho de 1994, em Palenque, no México, e, a partir daí, a mulher enterrada há 1.346 anos, ou seja, mais precisamente no ano de 672, ganhou o título de “Rainha Vermelha”.
Os restos mortais já circularam por várias cidades dos EUA, Canadá e México e agora, 24 anos depois da descoberta, o enxoval funerário da rainha vai finalmente chegar ao público. O material será exibido pela primeira vez no Museu do Templo Mayor, na Cidade do México, onde pode ser visitado até 9 de setembro.
Mas, afinal, quem era essa mulher e o que ela pode nos dizer sobre o mundo maia? A análise dos restos mortais da aristocrata levou os pesquisadores a concluir que tinha 1,54 metro de altura, morreu quando tinha entre 50 a 60 anos e tinha o crânio deformado, com uma testa achatada, para seguir os padrões de beleza da sociedade maia.
Com esse material, os cientistas também conseguiram concluir que a “Rainha Vermelha” sofria de osteoporose, de sinusite crônica e teve filhos. Além disso, na sua tíbia esquerda, encontraram um casulo de larvas de vespa. Acredita-se que, quando morreu, estaria bastante debilitada.
Aristocrata da alta sociedade
Os dentes indicam que não nasceu na região de Palenque, onde seus restos mortais foram encontrados, que sofria de tártaro, abcessos e cáries, e tinha uma dieta rica em carne – uma característica que mostra: fazia parte da alta sociedade.
No entanto, não foi só a dentição que provou que era uma mulher de classe privilegiada. Que o diga a arqueóloga Fanny López Jiménez, quem encontrou a urna da rainha.
Durante a pesquisa, leu repetidas vezes os relatos dos arqueólogos Alberto Ruz e Jorge Acosta, que fizeram grandes descobertas no mesmo templo nas décadas de 50 e 70. “Não entendi como foi possível eles terem deixado este presente, o que na verdade não me desagradou nem um pouco”, escreveu a arqueóloga na revista Arqueología Mexicana.
Devido à localização do sarcófago, ao lado do Templo das Inscrições, perto do rio Usumacinta, em Chiapas, seu alto posto já estava praticamente comprovado. O templo em questão foi construído para guardar os restos mortais de Pacal, o Grande, um homem que viveu entre os anos 603 e 683.
Pacal foi rei desde os 12 anos, liderou uma campanha militar que deu grande renome a Palenque e fez com que a história do seu povo fosse registrada em glifos. Seus restos mortais foram encontrados em 1949.
Graças a esses escritos, Fanny conseguiu fazer uma lista de quem eram as mulheres mais importantes da sua vida: a avó Yohl Ik Nal, rainha de Palenque, a mãe Sak Kuk e a esposa, Tzakbu Ajaw.
Porém, análises de DNA feitas pelo arqueólogo Carney Matheson, da Universidade de Lakehead, em Ontário, revelaram que não havia relação de parentesco entre Pacal e a “Rainha Vermelha”.
Dessa forma, foi possível descartar que o cadáver da mulher pudesse ser da avó ou da mãe de Pacal. Restava a indicação de que pudesse ser a esposa e a mãe de seus dois filhos: K’inich Kan Bahlam II, que o sucedeu no reinado, e K’inich K’an Joy Chitam II, que também foi rei de Palenque durante nove anos.
Se um dia forem encontrados os túmulos de qualquer um deles, poderia vir a ser confirmada a real identidade da “Rainha Vermelha”.
Indícios de mortes sangrentas
Segundo o livro “A Rainha Vermelha: o segredo dos maias em Palenque”, da jornalista mexicana Adriana Malvido, os ossos da mulher e da criança encontrados ao lado do sarcófago foram analisados em Miami, nos EUA, onde se concluiu que foram sacrificados entre os anos 620 e 680, datas que correspondem ao tempo em que a esposa de Pacal estava viva.
O arqueólogo mexicano Arnoldo González disse ao Discovery Channel que esses corpos foram sacrificados para fornecer “um novo e fresco suprimento de sangue”, o que diz muito sobre as circunstâncias das mortes.
No livro “Janaab’ Pakal de Palenque”, de Vera Tiesler e Andrea Cucina, destaca-se o fato de os dois cadáveres terem sido encontrados no chão. “Nenhum dos corpos foi depositado com cuidado”, dizem.
A mulher, com idade entre 20 e 30 anos, sofreu várias facadas em duas costelas e estava deitada de bruços, com os braços cruzados sobre as costas: “As várias marcas profundas e multidirecionais indicam um padrão complexo de violência”.
Inclusive, acredita-se que o corpo da mulher sofreu “uma separação em duas metades ou simplesmente uma carnificina que fazia parte de uma mutilação ritual logo após a remoção do coração”.
A criança, por sua vez, estava decapitada, como indica sua terceira vértebra cervical, com uma marca contínua de corte horizontal – o que só poderia ser feito “com o impacto violento na nuca de um elemento pontiagudo”.
As descobertas podem ser relacionadas não só com a crença de que os maias tinham sobre a vida além da morte, mas também da existência de uma forte hierarquia social, onde pessoas de baixa posição eram sacrificadas para fins rituais.
Porém, enquanto no túmulo da “Rainha Vermelha” havia apenas dois corpos, no de Pacal foram encontrados os restos mortais de seis pessoas.
Especialistas acreditam que nos mais de 1.500 edifícios existentes em Palenque, apenas cerca de 15% já foram estudados. Por isso, ainda há muitos segredos dos maias para serem revelados.