Superlotação dos presídios facilita proliferação de doenças

ABr / EBC

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2014 — o último produzido pelo Ministério da Justiça — aponta que o sistema prisional brasileiro tem 607.731 presos. O mesmo estudo revela ainda que a oferta de vagas é de apenas 375.892.

A superlotação das unidades se tornou uma fonte de proliferação de doenças infectocontagiosas, como explica Natália Madureira Ferreira, médica e docente do curso de medicina da Universidade Federal de Uberlândia. “Sobre o número de pacientes dentro do sistema prisional, existe uma correlação direta entre a quantidade de presos e a qualidade de vida dentro do presídio”, afirma a médica.

No último mês, uma infestação de doenças de pele no presídio da Papuda, no Distrito Federal, acometeu mais de 2 mil pessoas detidas, em cinco unidades do complexo, de acordo a Secretaria de Segurança Pública da capital nacional.

Ferreira explica que a burocracia do sistema prisional é uma das dificuldades para o atendimento médico dos presos: “Quando você tem casos como o que teve na Papuda, por exemplo, de você ter infestações, ou de você ter uma disseminação de uma doença específica, a gente fica muito limitado nas ações, porque tudo depende do que a direção da penitenciária consegue fornecer de serviço, de medicamento, de atendimento”.

Segundo o Ministério da Justiça, 8.605 profissionais de saúde estão cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) no sistema prisional. No entanto, apenas 1.112 são médicos.

A desproporcionalidade cria vácuos que deixam as pessoas detidas em situação de extrema vulnerabilidade. O Ministério lembra que os atendimentos são feitos por profissionais de saúde ligados ao SUS (Sistema Único de Saúde). Mas, de acordo com Padre Almir José de Ramos, assessor de saúde da Pastoral Carcerária, por vezes, a entidade é obrigada a intervir para que detentos recebam atendimento médico.

“Nós temos um caso, bem concreto, em Florianópolis mesmo, que a Pastoral contrata profissionais de saúde”, conta Ramos.

Assim como a Pastoral, outros grupos acabam se responsabilizando pelos atendimentos nas penitenciárias. Segundo Ramos, a orientação às pastorais carcerárias é que se denuncie esses casos para que o Estado cumpra seu papel.

Na pele

Em entrevista ao Saúde Popular, André Rogério dos Santos*, que saiu do sistema prisional após cerca de dois anos e meio de detenção, lembra que “há falta de remédio e de atenção com o detento enfermo” dentro do sistema prisional.

“Quando uma pessoa passa mal, tem que gritar da cela para chamar o funcionário. E muitas vezes não vem ninguém para atender. Enquanto eu estava lá, aconteceu de um preso morrer na enfermaria por falta de atendimento”, comenta Santos.

Ele teve um problema no pé enquanto estava preso. “Era uma situação cirúrgica e eles [apenas] me engessaram. Fiquei três meses de gesso, foi complicado”, aponta.

Santos explica que existe uma logística específica dentro do presídio para solicitar atendimento. “Para pedir uma enfermaria mesmo é complicado. O pedido não é direto, você tem que escrever um papel que chama “pipa” [como são chamadas as mensagens dentro do sistema prisional] e mandar para a direção. Eles avaliam o que você tem e, se o seu caso for de extrema urgência, eles te dão o atendimento no outro dia”, conta.

Os papeis, segundo Santos, saem todo os dias pela manhã, a partir das 7h30: “quem recolhe é um detento, que passa de cela em cela”. No caso das doenças infectocontagiosas, Santos explica que o detento doente permanece “isolado e fica em uma cela separada, na enfermaria”.

É muito fácil pegar tuberculose, é uma cela com grades, então não tem com evitar o vento. O banho é gelado e eram 40 pessoas na cela”, explica.

O atendimento deficitário no sistema prisional, segundo Natália Madureira Ferreira, “é um contrassenso”. “Teoricamente deveria ser muito mais bem controlado, seria muito mais fácil você controlar a situação de saúde dos presos, do que a população fora dos presídios. Mas na realidade, não é isso que acontece”, diz a médica.

O Padre Almir José de Ramos aponta ainda outra questão que coloca em xeque o tratamento dentro e fora dos presídios: a saúde mental. “A gente sabe que tem aumentado muito o número de presos com problemas mentais. Na população carcerária, são cerca de 42% que apresentam algum problema”, afirma.

O membro da Pastoral lembra que entre a população em geral, esse número é de mais ou menos 15%. “Na maioria das unidades prisionais não há médicos psiquiatras para tratar dessas questões bem pontuais. Os presos recebem apenas alguns calmantes e é basicamente isso”, completa o padre.

(*) Nome alterado para preservar o entrevistado.

Ciberia // Brasil de Fato

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