Na Índia, há um café que só contrata mulheres que sobreviveram a ataques com ácido. O espaço – que já existe há mais de dois anos – é pequeno, mas a diferença que faz na capacitação de vítimas de violência contra as mulheres é enorme.
Não são vítimas: são sobreviventes. Mais de 500 mulheres foram atacadas com ácido em 2015 na Índia. Este é um problema que a cada ano sofre um aumento – em 2014 foram 349 – e que é desvalorizado.
Para contrariar isso, nasceu o Sheroes Hangout (Ponto de Encontro de Heroínas, em tradução livre), um café nas cidades indianas de Agra – perto do icônico Taj Mahal –, Lucknow e Udaipur. Aqui, só trabalham mulheres que sofreram ataques com ácido.
A ideia é não escondê-las mais. Dar-lhes poder e usar sua força para inspirar outras mulheres – muitas delas nem chegam a denunciar os agressores à polícia –, e criar uma reação em cadeia.
“Não podemos deixar nossos sonhos morrerem, nem nossa felicidade. Agora, mostramos a cara como as lutadoras que somos, não como vítimas“, explica Laxmi Agarwal, um dos principais rostos do estabelecimento.
Laxmi é uma das sobreviventes que agora, orgulhosamente, serve as mesas do café – que apresenta um menu sem preço: os clientes pagam o que acharem que devem.
Quando tinha 16 anos, Laxmi foi atacada com ácido por um homem que a perseguia constantemente, depois de se recusar a casar com ele. Hoje, além de se ocupar com o café, trabalha para a Stop Acid Attacks (Parem os ataques com ácido), uma organização sem fins lucrativos responsável pela abertura do café.
Tal como Laxmi, Ritu Sainu também foi atacada. Aos 20 anos, já passou por dez cirurgias reconstrutivas depois de rejeitar as investidas do primo, cujo ataque a levou a perder um dos olhos.
A mais novas das empregadas tem 18 anos. Dolly Kumari Singh só foi capaz de voltar à escola graças ao Sheroes. Como muitas outras mulheres que sofreram este ataque, a jovem não tinha coragem de mostrar o rosto deformado fora de casa, depois de um homem tê-la queimado com ácidos corrosivos há três anos.
Foi o tempo que passou a trabalhar no café que lhe deu as ferramentas e coragem para enfrentar uma sala de aula: “Quando voltei à escola, tive medo que meus amigos não falassem comigo. Mas todo mundo falou comigo. Me senti tão bem”, conta.
Muitas destas mulheres foram inspiradas pela história de Laxmi. Quatro anos depois de ser atacada, em 2005, decidiu que não ia mais esconder o rosto. Os olhares não eram fáceis, mas a vida deixou de ser madrasta para ela.
Foi o rosto de uma campanha, desfilou em Londres para sensibilizar sobre a violência de gênero e encontrou o amor ao lado de Alok Dixit, fundador da organização Stop Acid Attacks.
São estas e, infelizmente, muitas outras, as histórias que vivem e convivem às mesas do café. O espaço quer conscientizar e alertar sobre a situação de jovens e mulheres que “desaparecem” do olhar público, em um país que vê o número de ataques com ácido crescer a cada ano que passa.
// ZAP