Depois de passar dois anos preso na Rússia, o terapeuta e professor Eduardo Chianca Rocha, de 68 anos, vai poder cumprir o restante de sua pena – cerca de um ano – no Brasil. A Justiça da Rússia autorizou a transferência do paraibano, preso e condenado por tráfico de drogas em território russo.
Em agosto de 2016, ele foi detido no aeroporto em Moscou com garrafas de ayahuasca, bebida utilizada tradicionalmente em rituais indígenas. Apesar de ter o uso autorizado no Brasil para cerimônias religiosas, o ayahuasca é proibido na Rússia e em outros países por conter substâncias alucinógenas.
“Algumas formalidades ainda precisam ser observadas, mas esperamos que em um mês ele já estará de volta ao Brasil”, afirmou o advogado Eduard Usikov à BBC.
As autoridades russas permitiram que ele cumprisse o restante da pena no Brasil. Rocha foi condenado inicialmente a seis anos e meio de prisão. Depois, a sentença foi reduzida a três anos. No tribunal, ele disse que não sabia que o chá não poderia ser usado na Rússia.
“A gente sabia que o mais difícil já tinha acontecido. A audiência na corte da região onde ele cumpre a pena, comunicada na quarta-feira, era uma questão administrativa para referendar a transferência, que já contava com a anuência dos dois governos desde abril”, explica a mulher do terapeuta, Patrícia Junqueira, à BBC.
Ela diz que ainda não há detalhes do rito da transferência. Pela legislação russa, a decisão da Justiça entra em vigor em dez dias. Depois, a Rússia deve comunicar oficialmente o Brasil da decisão. Caberá à Polícia Federal organizar a ida de Eduardo para Recife. E, ao chegar no Brasil, haverá uma audiência na Justiça Federal para definir onde ele vai cumprir o restante da pena – que, segundo Patrícia, será menos de um ano.
“Ele vai ser enviado para lá apenas para cumprir a sentença. No Brasil (o ayahuasca) é legalizado, mas pela decisão da corte russa não há dúvida. É uma substância que contém DMT (dimetiltriptamina), um narcótico”, explicou o advogado ao serviço russo da BBC.
A pedido do Ministério da Justiça brasileiro, o Instituto Nacional de Criminalística chegou a produzir um parecer técnico que foi usado pela defesa de Rocha. O laudo questionava o resultado da perícia russa e o método usado para avaliar a presença de DMT, mas não foi aceito pelo tribunal.
A transferência para o Brasil havia sido solicitada pelo próprio terapeuta, por seus familiares e pelo Ministério de Relações Exteriores. Até o presidente Michel Temer interveio. Em outubro de 2016, durante um jantar de abertura de um encontro dos BRICS na Índia, o presidente pediu à delegação russa que reavaliasse o caso do brasileiro.
Memórias do cárcere
Rocha foi condenado em maio de 2017 pelo Tribunal de Justiça da cidade de Domodedovo. Ele passou por cinco prisões onde, sem falar russo, manteve contatos apenas com os presos que falavam inglês. Com a família, trocou cartas com a ajuda de representantes da Embaixada do Brasil na Rússia.
“Na Rússia, cada etapa do processo tem uma unidade prisional própria. Por isso ele foi migrando de prisão em prisão”, explica Patrícia Junqueira.
Nos dois anos em que ficou preso, ela não visitou o marido. Os filhos também não foram para a Rússia ver o pai. “Além do custo financeiro, ele mesmo disse nas cartas que não valia a pena vivenciar aquela tristeza profunda e enfrentar as limitações para vê-lo”, explica Patrícia.
“Para o conforto do meu coração, Eduardo é muito firme e forte. A gente só vai saber no futuro o que ele passou ao lado de pessoas que são criminosas”, diz Patrícia, que foi uma das pessoas que mobilizou políticos e autoridades na tentativa de levar o marido de volta ao Brasil.
“Sem ter feito movimento dentro e fora do país junto a diferentes pessoas, independente da conexão ideológica, não teríamos vencido essa batalha”, diz ela, que é geóloga de formação, mas fala com desenvoltura dos trâmites processuais do caso do marido. “Tive que aprender”, diz.
Na prisão, o brasileiro começou a escrever um livro de memórias. “Eu acho que ele vai publicá-lo em um futuro próximo. Talvez fique ainda mais famoso “, disse o advogado Eduard Usikov.
Lágrimas
Morador do Recife (PE), ele ministrava cursos e palestras de uma terapia chamada “Frequências de Luz”. Quando foi preso na Rússia, Rocha estava em uma “turnê internacional”.
A família chegou a lançar uma campanha na internet para ajudar a pagar pela defesa na Rússia. “Ele foi preso e injustamente condenado na Rússia por tráfico de entorpecentes, por portar o chá indígena ayahuasca que levava em sua bagagem para uso pessoal. Pedimos apoio para financiar os custos com sua defesa”, diz o texto do site organizado pela mulher de Rocha, que contou com a ajuda de ex-alunos do terapeuta para pagar o advogado na Rússia.
Patrícia não contém as lágrimas ao perguntar se ela já sabe o que vai fazer no dia em que Rocha voltar ao país. “Só quero o Eduardo de volta, são e salvo. O que mais desejo é que ele retorne com vida e que, ao conquistar a liberdade, continue a missão dele que é ajudar as pessoas”, diz ela.
Ciberia // BBC