Proibição de doações empresariais não blinda política de interesses privados, afirma cientista político

Fabio Rodrigues Pozzebom / ABr

Apesar da proibição do financiamento empresarial de campanhas, que vigora no país desde 2015 por força de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a classe empresarial continua engajada em diferentes candidaturas.

Se, por um lado, a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), ligado à tentativa de redução da corrupção, retira oficialmente as empresas do cenário e faz com que as chapas tenham gastos mais modestos, por outro, a presença de atores do poder econômico segue garantida por meio de doações pessoais, via CPF.

Pelas normas, as doações têm limite de 10% do rendimento bruto total do doador no ano anterior ao da eleição.

Entre os candidatos que participam da corrida rumo ao Palácio do Planalto, por exemplo, os destaques em termos de financiamento vindo de empresários são as campanhas de Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Partido Novo) e Marina Silva (Rede).

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Dias tem 33,5% da sua verba de campanha doados pelo empresário Oriovisto Guimarães, um dos fundadores do Grupo Positivo, que atua no ramo educacional no estado do Paraná e canalizou um montante de R$ 1,7 milhão para a chapa.

Amoêdo recebeu, por exemplo, R$ 100 mil de Walter Schalka, presidente de uma produtora de papel e celulose que está entre as maiores do mundo no ramo. Outros R$ 100 mil vieram de Célio Pinto de Almeida, empresário do segmento de construção civil.

Já Marina Silva (Rede) recebeu, entre outros montantes, R$ 100 mil de Carlos Bracher e ainda R$ 50 mil de Fernão Bracher, ambos da família que está à frente do banco Itaú.

Os valores não são finais, dado que as doações são permitidas até o ultimo dia de campanha – 7 de outubro para o primeiro turno e 28 de outubro para a segunda fase da disputa –, mas já despertam leituras críticas por parte daqueles que acompanham de perto o cenário político-eleitoral.

O cientista político Michel Neil destaca que, apesar do montante de doações ser mais magro que em anos anteriores, não é possível imaginar que a nova regra seja capaz de impedir uma captura dos interesses públicos e sociais pelo interesse empresarial de quem ajuda a financiar as diferentes campanhas.

A análise de Neil vale tanto para o futuro mandato presidencial quanto para aqueles de governadores, senadores e deputados.

“A gente precisa ter claro que o empresário é um cidadão com os mesmos direitos de qualquer outro cidadão, mas, do ponto de vista prático, assim como é difícil dissociar um empresário da sua empresa, também vai ser muito difícil dissociar um político financiado dos interesses privados e corporativos de quem o financia, por mais que seja [doação de] pessoa física”, afirma Michel Neil.

Financiamento e democratização

De acordo com o Brasil de Fato, o conflito de interesses relacionado ao investimento de empresários em campanhas tem ligação também com a falta de democratização no acesso aos cargos eletivos. É o que aponta o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Ele destaca que o problema reside na lógica de partilha da verba do FEFC. O Fundo, criado com o objetivo de reduzir a força do poder econômico na atuação de políticos eleitos, surgiu de uma demanda histórica dos setores mais progressistas.

Dados do Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea) apontam que o financiamento público de campanha é adotado em 118 países, com diferentes percentuais de participação do Estado entre eles.

No entanto, de acordo com o mesmo portal, as normas que regem o fundo no Brasil priorizam a canalização de recursos para quem já detém mandato. Com isso, acabariam incentivando especialmente candidaturas que, em sua maioria, têm ligação com o poder econômico.

Verlaine ressalta que, diante disso, apesar das campanhas contarem com verbas mais enxutas, a classe empresarial consegue manter íntima relação com o poder político, já que as regras inviabilizariam também um maior equacionamento na divisão dos recursos.

“Os setores populares, progressistas, lutaram a vida inteira por financiamento publico pra equilibrar a disputa, mas isso não se equilibrou porque agora os detentores de mandato têm o financiamento estatal e também o de empresários”, afirma.

O cientista Michel Neil acrescenta que cerca de 90% das verbas do FEFC que já tiveram as contas apresentadas pelos partidos foram destinadas a candidatos que buscam a reeleição, o que pode dificultar a renovação da classe política.

Segundo o BdF, a consequência disso se projeta em outro problema já conhecido do cenário político brasileiro: a baixa representatividade popular.

“O Congresso vai continuar se reproduzindo da maneira habitual, talvez até de forma mais incisiva agora. O resultado dessa baixa renovação perpetua a falta de representatividade que já existe em outras clivagens”, afirma o cientista, citando a baixa presença de mulheres, indígenas, jovens e negros em cargos eletivos.

Segundo dados oficiais do TSE, dos 35 partidos registrados no Tribunal, 34 receberam recursos do Fundo Eleitoral este ano, que conta com um montante de R$ 1,8 bilhão. A única legenda que ficou de fora da lista foi o Partido Novo, por decisão própria.

Ciberia // Brasil de Fato

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