“Escape game” foi lançado com o nome “A lista de Schindler”, embora empresa negue relação com capítulo sombrio da história. Num país de traços antissemitas, jogadores descrevem experiência como “inegavelmente divertida”.
O filme A lista de Schindler, de 1993, é conhecido mundialmente como uma obra épica sobre a triste história do Holocausto. Na Grécia, porém, o título serviu para batizar também um jogo de estilo “escape the room”, baseado nesse episódio sombrio da Segunda Guerra Mundial. O game, que conquistou os jovens gregos, está causando indignação na comunidade judaica.
O clamor levou a empresa responsável pela sala, a Great Escape, a mudar o nome do jogo – que fazia referência direta ao filme de Steven Spielberg sobre o alemão Oskar Schindler – para “Agente secreto”.
O objetivo do jogo, contudo, continua praticamente o mesmo: elaborar uma lista de sobreviventes que serão poupados de uma morte terrível por forças inimigas – uma imitação nebulosa das listas apresentadas no premiado filme de Hollywood.
Embora o jogo – anunciado com destaque no site da empresa – não faça referência explícita aos judeus ou ao Holocausto, as descrições em sites gregos atraíram jogadores ao desafiá-los a ajudar o alemão Oskar Schindler a “salvar o máximo possível de pessoas inocentes da perseguição das forças da SS [organização paramilitar nazista Schutzstaffel]” em Cracóvia, na Polônia.
Autoridades do Conselho Central de Comunidades Judaicas da Grécia (KIS, na sigla em grego) condenaram o jogo e disseram que estão considerando tomar medidas.
“Não se trata só de antissemitismo”, diz o vice-presidente do conselho, Victor Eliezer, à DW. “O assim chamado sucesso desse jogo depende da ignorância que varre a sociedade grega. Pergunte por aí, e a maioria dos gregos vai dizer que Schindler foi uma espécie de estrela do rock ou jogador de futebol.”
Para ele, o fato de os criadores terem alterado o nome do jogo sem efetivamente mudar o enredo sinaliza um desrespeito ainda maior. “Tudo que eu desejo é que eles façam uma viagem a Auschwitz para sentir, mesmo por uma fração de segundo, o terror da morte em um campo de concentração alemão. Só então pode haver esperança de que eles não mais degradarão o sofrimento humano”, afirma Eliezer.
A fúria do conselho judaico grego passou quase despercebida no país europeu. Os ativistas nos Estados Unidos, por outro lado, compraram a briga.
“Pegar uma experiência como o Holocausto, que foi desumanizante para as vítimas, e torná-la um jogo banaliza não apenas o episódio, mas também o sofrimento que ele causou”, afirma Victoria Barnett, uma diretora do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. “O comportamento ético é baseado em respeito e empatia por outras pessoas.”
Seguindo uma moda mundial, os jogos do estilo “escape the room” ou “escape game” se tornaram muito populares em toda a Grécia. Neles, pequenos grupos de jogadores quebram a cabeça para encontrar pistas e resolver enigmas enquanto tentam escapar de um espaço temático num determinado período de tempo. Os enredos são variados.
O controverso jogo sobre o Holocausto foi primeiro lançado em Salonica, a segunda maior cidade da Grécia e lar de uma vibrante comunidade judaica que foi quase totalmente exterminada pelas forças nazistas em 1943.
Antes da Segunda Guerra, a cidade abrigava uma das maiores comunidades de judeus do mundo, o que lhe rendeu os apelidos de “Mãe de Israel” e “Jerusalém dos Bálcãs”. No auge da guerra, mais de 44 mil judeus foram deportados para campos de concentração na Europa central. Apenas um punhado de sobreviventes retornou à cidade, que perdeu 96% de sua comunidade judaica.
“Não podemos esquecer. Não devemos esquecer. Não deveríamos esquecer”, diz David Saltiel, presidente do Conselho Central de Comunidades Judaicas da Grécia.
“Aventura inegavelmente divertida”
O “escape game” sobre o Holocausto é um dos oito jogos oferecidos pela empresa Great Escape. É anunciado pela companhia como “uma das mais emocionantes salas de fuga”. Contactados por telefone, funcionários da empresa em Salonica se recusaram a comentar a polêmica. Representantes da companhia em Atenas, por sua vez, insistiram que o jogo não tem qualquer ligação com o Holocausto.
Pessoas que já participaram do jogo se recusaram a comentá-lo ao ser abordadas pela DW. Contudo, eles não pareciam estar preocupados com o impacto que o empreendimento poderia ter num país com fortes traços de antissemitismo.
Em vez disso, comentários publicados no site da companhia e no portal de viagens TripAdvisor mostraram centenas de pessoas classificando-o como uma “excelente” experiência. Um internauta o descreveu como “uma aventura inegavelmente divertida”.
“A empresa pode ter renomeado o jogo, mas manteve-o funcionando“, afirmou uma autoridade do Conselho Central de Comunidades Judaicas da Grécia, sob condição de anonimato. Não está claro, contudo, se a sala realmente ainda está aberta.
Jogos sobre o Holocausto
Não é a primeira vez que um “escape game” evoca o Holocausto. Em 2016, uma empresa holandesa se baseou num dos episódios mais sombrios da história do mundo para criar uma sala inspirada no bunker da Anne Frank, local onde a adolescente judia ficou escondida com sua família em Amsterdã antes de ser pega pelas forças nazistas e levada a um campo de extermínio.
Em 2017, o conselho judaico grego protestou contra “Auschwitz”, outro “escape game” que, dessa vez, levou jogadores a um campo de concentração em Galatsi, nos arredores de Atenas.
As reações de judeus a jogos temáticos do Holocausto ganharam pouco impulso na Grécia, onde um dos grupos neonazistas mais violentos da Europa, o Golden Dawn, recebe regularmente cerca de 8% dos votos do país e é considerado o terceiro maior partido político.