Após 14 anos de debates, entrou em vigor nesta quinta-feira (01/08) na Holanda a assim chamada “lei da burca”. O dispositivo proíbe o uso de peças de vestuário que “cubram o rosto”, em locais públicos como instituições de educação e saúde, repartições e transportes públicos. Véus islâmicos que só cobrem os cabelos não foram incluídos na legislação.
O Ministério do Interior urgiu as autoridades locais e corporações relevantes a implementarem a norma. Elas devem pedir à pessoa em questão mostre o rosto; caso ela se recuse, poderá ter o acesso vedado a áreas públicas ou estar sujeita a multas de até 150 euros. Um partido político islâmico de Roterdã informou que pretende pagar todas as penalidades financeiras de quem for apanhado usando algum acessório proibido.
Além de afetar cerca de 150 mulheres que usam regularmente o niqab (véu que só deixa os olhos de fora) e burca (cobrindo o rosto e o corpo) no país, o banimento também se dirige aos portadores de capacetes completos e balaclavas (toucas “ninja” que cobrem o rosto). Estimativas apontam que menos de 400 mulheres usam ocasionalmente os trajes islâmicos que passam a ser proibidos.
Mas, em diversas cidades, as tentativas de aplicar a nova norma já esbarram na desaprovação por parte de hospitais, operadores de transporte público, e até mesmo de policiais. Um porta-voz da companhia de transporte de Roterdã disse que os funcionários não devem tentar aplicar a norma.
“A polícia nos disse que aplicar a proibição não é uma prioridade e, portanto, nenhum agente será deslocado para atender alguma ocorrência em menos de 30 minutos. Isso significa que nossos funcionários não contarão com apoio da polícia. E não é responsabilidade dos funcionários impor uma lei e aplicar multas”, disse Pedro Peters, da companhia RET.
O serviço de radiodifusão NOS informou que policiais disseram que não pretendem deslocar viaturas para perseguir algum bonde ou ônibus “que esteja transportando um passageiro que desrespeite a ‘lei da burca’”.
A imprensa holandesa também ouviu diretores de hospitais que informaram que não pretendem orientar seus funcionários a aplicar a regra. “Isso não é o trabalho do hospital, mas da polícia e do Ministério da Justiça”, disse uma instituição de Amsterdã, em nota.
Apesar das dificuldades já previstas na aplicação, o populista de direita Geert Wilders louvou a resolução, supostamente a primeira “medida anti-islamista” instituída no país, e falou de um “dia histórico”. A Holanda é tradicionalmente considerada um bastião de tolerância e liberdade religiosa na Europa.
A França foi a primeira nação europeia a banir o véu islâmico de rosto inteiro, quase dez anos atrás. Segundo dados oficiais, teriam sido aplicadas até hoje multas entre 134 e 1.340 euros em 39 casos, incluindo 22 portadoras de burca. Em 2018 um comitê das Nações Unidas condenou a legislação, como violação dos direitos humanos.
Outros países europeus, como Bélgica e Suíça, seguiram o exemplo francês. Na Dinamarca a burca está proibida há exatamente um ano, apesar de oposição acirrada. Na Áustria o banimento vigora desde 2017, e no início do ano corrente foi aprovada uma lei visando também proibir que meninas muçulmanas cubram a cabeça em escolas primárias.
Na Alemanha, o estado de Hesse impôs restrições semelhantes à burca no serviço público. Seis meses atrás, a Universidade de Kiel, no Norte do país, baniu a ocultação total do rosto, alegando a necessidade de comunicação aberta, que inclui expressões faciais e gestos. Alguns políticos criticaram a medida, considerando-a um cerceamento da liberdade religiosa.