Uma pesquisa publicada na Nature Communications nesta terça-feira alerta que as áreas costeiras, onde atualmente vivem 300 milhões de pessoas, estarão vulneráveis já em 2050 a inundações agravadas pelas mudanças climáticas.
As consequências neste curto horizonte de tempo já são inevitáveis, por mais que a humanidade se esforce para diminuir as emissões de carbono a partir de agora.
Em meados do século, no entanto, as escolhas feitas hoje determinarão se as linhas costeiras da Terra permanecerão para as gerações futuras, relataram os pesquisadores. Tempestades destrutivas, alimentadas por ciclones cada vez mais poderosos e a elevação do nível dos mares atingirão principalmente a Ásia.
Mais de dois terços das populações em risco vivem em China, Bangladesh, Índia, Vietnã, Indonésia e Tailândia, indicou o estudo.
“É um fenômeno muito variável, de uma região para outra, e depende muito das condições locais: em um lugar acostumado a receber pequenos ciclones, o aumento do nível do mar pode gerar impactos maiores desses ciclones”, explica o climatologista e membro da Academia de Ciências da França Hervé Le Treut, em entrevista à RFI.
Usando redes neurais, um tipo de inteligência artificial, a nova pesquisa corrige dados de elevação do solo que até agora subestimavam em grande medida até que ponto as zonas costeiras estarão sujeitas a inundações durante a maré alta ou grandes tempestades.
As projeções do nível do mar não mudaram – o que se sabe agora com mais detalhes é sobre as consequências da elevação dos níveis dos mares. O fenômeno é causado pela aceleração do derretimento das geleiras e a dilatação dos oceanos, consequências do aquecimento global.
Dificuldade de se projetar no futuro
“É difícil nos projetarmos no futuro. Temos a tendência de olharmos as coisas de acordo com o que vemos hoje, e não como elas podem ser”, nota Le Treut. “Mas estamos diante de uma evolução do clima que é irremediável e se acentua com o tempo. Não podemos deixar para agir quando já estivermos enfrentando os problemas mais graves.”
O cientista destaca a importância de os governos de zonas litorâneas já se prepararem, desde agora, ao avanço do mar sobre a costa – estimado a entre 50 centímetros e 1 metro até 2100. Nos cenários mais perigosos, a elevação pode chegar a 2 metros, apontam os estudos. Construção de diques de proteção ou mudanças no planejamento urbano, de modo a afastar as populações do mar, são algumas das alternativas sobre a mesa.
“Os próximos 20 anos já estão comprometidos: gases já foram emitidos e não vão sair da atmosfera”, explica o cientista francês. “É por isso que é importante prevermos a diminuição das emissões dos gases de efeito estufa até o fim do século, para tentarmos fazer com as consequências sejam o menos dramáticas possíveis, no futuro.”
Com a previsão de que a população global aumentará dois bilhões até 2050 e mais um bilhão até 2100 – principalmente em megacidades costeiras -, um número ainda maior de pessoas serão forçadas a se adaptar ou a sair das zonas de perigo. Atualmente, existem mais de 100 milhões de pessoas vivendo abaixo dos níveis de maré alta, segundo o estudo. Algumas estão protegidas por diques, mas a maioria não.
Marés subindo, cidades afundando
“As mudanças climáticas têm o potencial de remodelar cidades, economias, litorais e regiões globais inteiras durante a nossa vida”, disse o principal autor do estudo e cientista do Climate Central, Scott Kulp.
Vários fatores se combinam para ameaçar populações que vivem a poucos metros do nível do mar. Um deles é a expansão da água à medida que o clima aquece e, mais recentemente, as camadas de gelo sobre a Groenlândia e a Antártica que derramaram mais de 430 bilhões de toneladas por ano na última década.
Desde 2006, a linha da água subiu quase quatro milímetros por ano, um ritmo que pode aumentar cem vezes até o século 22 se as emissões de carbono continuarem inalteradas, alertou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) em um relatório no mês passado.
Se o aquecimento global for limitado abaixo de dois graus Celsius – o objetivo principal do acordo de Paris sobre o clima – o nível do mar deverá subir cerca de meio metro até 2100.
Nas taxas atuais de poluição de carbono, no entanto, o aumento seria quase o dobro. Um segundo ingrediente são as tempestades tropicais – tufões, ciclones ou furacões – amplificadas por uma atmosfera quente.
As grandes tempestades que até recentemente ocorriam uma vez por século, por volta de 2050 acontecerão em média uma vez por ano em muitos lugares, especialmente nos trópicos, segundo o relatório do IPCC.
Prevê-se que os danos anuais das inundações costeiras aumentem de 100 a 1.000 vezes até 2100, afirmou o documento. Muitas das um bilhão de pessoas que vivem a menos de nove metros acima do nível do mar hoje estão em áreas urbanas em risco.
// RFI