Após o surgimento de um novo tipo de coronavírus na China, em poucos meses iniciou-se uma epidemia que já está tomando proporções internacionais. A COVID-2019, nova doença cujos sintomas se parecem com os de uma gripe, vem preocupando não só as pessoas na China, como no mundo todo. Afinal, o vírus tem se espalhado rapidamente para fora das fronteiras do país asiático e foi confirmado também aqui no Brasil.
Em plena quarta-feira de cinzas (26), o primeiro caso de COVID-2019 no Brasil foi comunicado pelo Ministério da Saúde. Um homem de 61 anos, que tinha viajado para a Lombárdia, na Itália, nas ultimas semanas, apresentou os sintomas da doença e foi internado em São Paulo -SP, onde foram feitos os exames e dado o diagnóstico de infecção pelo novo coronavírus (chamado cientificamente de SARS-CoV-2).
A partir de então, pesquisadores brasileiros entraram em uma missão: sequenciar o genoma do vírus coletado de amostras do paciente na capital paulista. E conseguiram.
O mérito é da equipe do Instituito Adolfo Lutz (IAL) e do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP), que, mais do que depressa, conseguiu fazer o sequenciamento “em tempo real”, isto é, enquanto a epidemia acontece. Os brasileiros contaram com o apoio remoto de pesquisadores das universidades de Birmingham, Edinburgh e Oxford, no Reino Unido.
À BBC News Brasil, a pesquisadora do IMT-USP Ester Cerdeira Sabino conta que a corrida contra o tempo dos brasileiros gerou resultados em apenas 48 horas, enquanto a média dos outros países é obter o genoma em 15 dias. “Queríamos fazer em 24 horas, bater o recorde, mas não funcionou tudo (no processo). Fizemos em 48 horas, como o Instituto Pasteur (na França)”, revelou.
Na trilha do caso brasileiro
A equipe brasileira divulgou os resultados nesta sexta-feira (28), revelando que, das dezenas de amostras do novo coronavírus já analisadas mundialmente, o material genético do vírus do paciente brasileiro tem maior compatibilidade com o de um vírus sequenciado na Bavária, Alemanha — o que pode dar pistas de que o patógeno tenha se disseminado pela região, chegando posteriormente à Itália, onde o brasileiro esteve, e só então viajando até o Brasil.
Na região italiana, ainda não houve sequenciamento do vírus pelos pesquisadores locais. Os primeiros a conseguirem mapear o genoma do SARS-CoV-2 foram os chineses, e, ao ser comparado com o coronavírus de lá, o tipo brasileiro apresenta três mutações, duas delas compatíveis com a do vírus encontrado na Alemanha. Isso, segundo Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda do IMT-USP, “provavelmente é uma mutação que já aconteceu na transmissão para o paciente brasileiro”.
De posse dos resultados, os pesquisadores brasileiros não perderam tempo: ao invés de segurarem o resultado para publicar em algum periódico internacional, decidiram por divulgar o genoma do coronavírus sequenciado aqui no Virological.org, uma plataforma mundial voltada a virologistas, epidemiologistas e especialistas em saúde pública, para que discutam, compartilhem e debatam suas ideias e resultados de pesquisas. Diante da urgência e do risco de pandemia, encontraram no fórum a melhor saída.
Tecnicamente, a sequência obtida possui 96% de cobertura, o que já caracteriza um genoma completo. Mesmo assim, os pesquisadores brasileiros continuarão trabalhando até sequenciarem totalmente o material genético do vírus, e se disponibiliza para analisar eventuais novos casos confirmados no país.
Constantes mutações
Os vírus causadores de doenças do trato respiratório são patógenos conhecidos por suas constantes mutações, que acontecem devido a uma série de fatores isolados ou combinados, como organismo do hospedeiro e fatores ambientais.
Quando encontram um novo hospedeiro, pode ser que ocorram erros no processo de replicação do RNA viral, gerando as tais mutações que interferem em seu genoma. Isso pode causar tanto vantagens evolutivas quanto desvantagens, deixando-o menos potente, por exemplo, interferindo em sua estabilidade.
Isso também dificulta o trabalho dos laboratórios na fabricação de vacinas, que trazem fragmentos dos vírus como antígenos para ativar as células de defesa do organismo humano após sua injeção na corrente sanguínea.
Afinal, após o sequenciamento de uma amostra viral, pode ser que, até que a vacina fique pronta e seja liberada pelas agências reguladoras, o vírus tenha mudado seu material genético ao ponto de não ser mais neutralizado pelos anticorpos de quem foi vacinado, por exemplo.
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