Como a estupidez anda em alta nesses tempos, ela atinge o mundo inteiro. Em alguns lugares mais do que outros. Como é o caso do Reino Unido, onde teóricos da conspiração acreditam que as redes 5G são responsáveis pela disseminação da COVID-19 na região.
Por isso, eles estão agredindo verbalmente os engenheiros de telecomunicaçõe responsáveis pela implementação dessa infraestrutura. E, em alguns casos, os idiotas de plantão estão até mesmo deixando armadilhas contra esses profissionais.
Uma matéria do The Verge mostra que os engenheiros de telecom descobriram lâminas de barbear e agulhas escondidas atrás de postêrs colados em postes telefônicos. O objetivo dessas “armadilhas” seria machucar os profissionais do setor quando eles estiverem realizando algum tipo de instalação ou manutenção da rede.
Para além de navalhas e agulhas, o nível de agressões varia. Segundo o grupo UK Mobile, desde 30 de março houve 90 ataques à infraestrutura móvel, além de 200 acusações de abusos contra os engenheiros de telecomunicações. Ainda que a maioria dos ataques seja verbal, alguns dos confrontos se transformaram em agressões físicas.
Houve desde chutes e socos desferidos contra as vans desses profissionais, até cusparadas e até mesmo um caso de esfaqueamento, que acabou resultando na hospitalização do engenheiro. Em abril, Philip Jansen, CEO da British Telecom (BT), afirmou que houve casos de carros tentando atropelar os profissionais.
A agressão contra os profissionais envolvidos na instalação das redes 5G é apenas a etapa mais recente de uma escalada que vem de alguns meses. A partir do momento que surgiram na internet as teorias que culparam esta rede móvel por espalhar o coronavírus, no começo deste ano, houve ocorrências de cidadãos ateando fogo nas torres de telefonia celular.
Outro ponto particularmente surreal é que a maioria desses engenheiros não tem nada a ver com 5G. Em muitos casos, eles estão apenas realizando a manutenção das redes 4G ou dos serviços de internet de banda larga fixa. No entanto, eles se tornaram um ponto focal para os ataques.
Sobra para o 4G
Como a inteligência, definitivamente, não é o forte destes teóricos da conspiração, os ataques contra as redes 5G acabacam gerando consequências para outros setores.
As operadoras de telefonia móvel do Reino Unido observaram que, devido à lenta implantação desta rede de alta velocidade, a maior parte da infraestrutura atacada estava, na verdade, fornecendo coberturas 3G e 4G, sendo que a 5G nesta estava disponível nas regiões.
Por todo o país, os bombeiros corriam para apagar incêndios e os engenheiros de telecomunicações trabalhavam horas extras para restaurar os serviços perdidos. A Vodafone UK, uma das operadoras móveis afetadas pelos ataques, observou que um dos equipamentos visados incluía um poste que fornecia conectividade móvel a um hospital temporário construído para pacientes com a COVID-19.
Embora as operadoras e suas prestadoras de serviços afirem que ataques como esses parecem estar diminuindo, eles foram inicialmente coordenados nas mídias sociais. Em um grupo – agora excluído do Facebook – chamado “5G TOWER FIRE COMP”, os usuários compartilhavam mapas de possíveis alvos, comentando “você sabe o que fazer”.
Uma postagem de um administrador do grupo compilou uma lista de incidentes criminosos por cidade, com o título “Campeonato de Tabelas de Incêndio em Torre 5G patrocinado pela EE & VODAPHONE”, além de incentivar mais ofensivas. Quando uma torre 5G incendiada na cidade de Birmingham, um vídeo do incidente foi divulgado no grupo com o texto “Birmingham 1-0 West Bromwich Albion. ⚽️ Um excelente jogo de abertura de Birmingham, eles estão pegando fogo no momento” , além da hashtag # 5GisGenocide. Detalhe: a torre atacada estava fornecendo o serviço 4G – e deixou todos na região sem conexão à internet.
Ataques se espalham pela Europa
Essa idiotice, claro, não é uma exclusividade dos britânicos. Incidentes semelhantes foram relatados na Holanda, Irlanda, Bélgica, Itália, Chipre e Suécia. No entanto, o Reino Unico parece ter sido o marco zero da conspiração e região onde os ataques encontraram maior ressonância entre a população.
Para piorar a situação, os adeptos britânicos da conspiração contra o 5G espalharam suas mensagens não apenas pelas redes sociais, mas também pelo governo local, e contaram ainda com o apoio de celebridades e até mesmo de canais de notícias.
A ofcom, reguladora de TV do Reino Unido, precisou repreender o apresentador de um popular programa matinal por “minar a confiança dos telespectadores em conselhos de autoridades públicas e evidências científicas”. A bronca foi dada quando um segmento da atração, que cobre os ataques criminosos, disse que era fácil descartar as ligações entre 5G e o novo coronavírus “porque combina com a narrativa do estado”. Ou seja, o governo estaria encobrindo essas conexões (com o perdão do trocadilho).
A teoria de que o 5G e a COVID-19 estejam entrelaçados porque os conspiradores amarram à ideia de que Wuhan (cidade chinesa, considerada o marco zero da pandemia) foi o primeiro local onde a nova conexão móvel se fez disponível. Embora seja verdade que “partes” da província contem com conexão 5G (parques e praças públicas, por exemplo), ela não foi a primeira localidade a ter a tecnologia. Ademais, as afirmações de que o 5G de alguma forma afeta o sistema imunológico humano também não encontram nenhum fundamento científico.
Só para constar: Wuhan recebeu o 5G junto de 16 outras províncias da China — locais estes que não apresentaram casos do coronavírus até agora. Ademais, entrando na seara científica, um estudo publicado em 2005 por um comitê internacional de segurança eletromagnética estabeleceu que as ondas de rádio, empregadas na transmissão de conexões móveis à internet (3G, 4G, 5G) não causam qualquer malefício à saúde humana.
Por fim, para evitar que tais teorias e ataques se disseminem com mais força mundo afora, as redes sociais começaram a agir. O Twitter, por exemplo, tomou a atitude de derrubar qualquer publicação relacionada a conspirações do tipo. A companhia publicou na rede social que ampliou as políticas de utilização relacionadas à COVID-19 para abraçar este tipo de postagem. Agora, a plataforma é mais restrita com publicações que “estimulem atividades perigosas, possam levar a destruição ou dano crítico de infraestrutura 5G, ou pode levar a pânico geral, agitação social ou desordem em larga escala”.
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