A Birmânia está procedendo a uma “limpeza étnica” da minoria muçulmana rohingya, afirmou o representante do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) na cidade fronteiriça de Cox’s Bazar, no Bangladesh.
Aproximadamente 30 mil rohingya abandonaram suas casas na Birmânia para fugir à escalada de violência, depois de as tropas terem ocupado a zona onde habitam no início do mês, de acordo com dados da ONU.
John McKissick, chefe do ACNUR na cidade de Cox’s Bazar, no Bangladesh, na fronteira com a Birmânia, disse à BBC que os militares estavam “matando homens, incluindo a tiro, a massacrando crianças, estuprando mulheres e incendiando e saqueando suas casas, forçando essas pessoas a atravessar o rio” para o Bangladesh.
Daca tem resistido aos apelos internacionais para que abra sua fronteira para impedir uma crise humana, dizendo antes à Birmânia que tem de fazer mais para evitar que a minoria rohingya entre no país.
“É muito difícil para o governo do Bangladesh declarar que a fronteira está aberta porque isso iria encorajar o governo da Birmânia a continuar com as atrocidades e a ‘empurrá-los’ até atingir seu objetivo final de limpeza étnica da minoria muçulmana na Birmânia”, afirmou John McKissick
Um porta-voz do Presidente da Birmânia, Htin Kyaw, criticou os comentários.
“Eu gostaria de questionar o profissionalismo e a ética que devem ser seguidos e respeitos pelo pessoal da ONU. Ele deveria falar com base em factos concretos e verdadeiros, não deveria fazer acusações” desse tipo, reagiu Zaw Htay em declarações à agência AFP.
Não é a primeira vez que tais alegações são feitas relativamente à Birmânia.
Em abril de 2013, a Human Rights Watch afirmou que o país estava procedendo a uma campanha de limpeza étnica contra os rohingya – acusação igualmente rejeitada pelo então Presidente birmanês, Thein Sein, que falou de uma “campanha de difamação”.
Contudo, a escala do sofrimento humano se tornou mais clara na quinta-feira, com pessoas desesperadas como Mohammad Ayaz a contarem como as tropas atacaram sua aldeia e mataram sua mulher grávida.
Mohammad Ayaz relatou que os soldados mataram pelo menos 300 homens no mercado da aldeia e estupraram dezenas de mulheres antes de incendiar quase 300 casas, lojas de muçulmanos e a mesquita onde era imã.
“Eles mataram a minha mulher, Jannatun Naim, a tiro. Ela tinha 25 anos e estava grávida de sete meses. Eu me refugiei num canal com o meu filho de dois anos que foi atingido por uma coronha de uma espingarda”, disse Ayaz à agência noticiosa francesa.
Ayaz vendeu seu relógio e sapatos para pagar a travessia e encontrou abrigo num acampamento de refugiados rohingya não-registrados.
Muitos daqueles que procuram abrigo afirmaram ter andado durante dias e de ter atravessado em embarcações raquíticas o rio para o vizinho Bangladesh, onde centenas de milhares de refugiados rohingya vivem, oficialmente registados, há décadas.
A Birmânia não reconhece a cidadania aos rohingya – considerados pelas Nações Unidas uma das minorias mais perseguidas do planeta – que viram sua condição se agravar em 2012 na sequência de surtos de violência sectária com a maioria budista do estado de Rakhine, no oeste do país, que resultaram em dezenas de mortos.
Desde então, as autoridades limitaram sua liberdade de movimentos, forçando milhares a viver confinados em suas aldeias ou amontados em campos de refugiados, e aprovaram leis que restringem o número de filhos e os casamentos inter-religiosos.
Com o agravamento da crise, o Bangladesh anunciou na quarta-feira que tinha convocado o embaixador birmanês para transmitir sua “profunda preocupação”.
“Apesar do sincero esforço de nossos guardas de fronteira para travar o influxo, milhares de cidadãos desesperados, incluindo mulheres, crianças e idosos, continuam a atravessar a fronteira para o Bangladesh”, sendo que “milhares de outros estarão concentrados junto à fronteira”, indicaram as autoridades.
Desde que a violência se agudizou, os guardas de fronteira do Bangladesh intensificaram as patrulhas e destacaram um maior contingente e navios adicionais para a costa.
Segundo fontes oficiais, foi travada a entrada na fronteira de aproximadamente mil rohingya desde segunda-feira.
Deen Mohammad, um agricultor, figura entre os milhares que conseguiram escapar às patrulhas, entrando sorrateiramente pela cidade fronteiriça de Teknaf há quatro dias, com sua mulher, dois dos seus filhos e outros três familiares.
“Eles [exército da Birmânia] levaram os meus dois meninos, com nove e 12 anos, quando entraram na minha aldeia. Eu não sei o que lhes aconteceu”, relatou Deen Mohammad, de 50 anos, à agência AFP.
“Eles levaram as mulheres para os quartos e se fecharam lá dentro. Até 50 mulheres e meninas da nossa aldeia foram estupradas e torturadas“, disse, indicando que as casas da sua aldeia foram incendiadas, fazendo eco de testemunhos idênticos por parte de outros recém-chegados ao Bangladesh.
A Human Rights Watch revelou, essa semana, com base em imagens de satélite, que mais de mil habitações em aldeias da minoria rohingya foram destruídas no estado de Rakhine.
O exército birmanês negou ter posto fogo às casas e até culpou os próprios rohingya.
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