O antigo Papa Bento XVI morreu, este sábado, aos 95 anos, no Vaticano.
O Papa Emérito Bento XVI, que antecedeu o actual sumo pontífice, morreu, este sábado, aos 95 anos, no mosteiro dos jardins do Vaticano. O anúncio foi feito em comunicado pelo director do serviço de imprensa do Vaticano, Matteo Bruni.
Bento XVI, cujo nome pessoal era Joseph Ratzinger, nasceu em 1927 e foi Papa durante oito anos, entre 2005 e 2013. Nesse ano, decidiu renunciar ao cargo e tornou-se o primeiro Papa a fazê-lo nos últimos seis séculos.
O funeral deverá ser celebrado pelo seu sucessor, o Papa Francisco, em Roma.
Joseph Ratzinger nasceu a 16 de Abril de 1927 na Baviera, Alemanha, no seio de uma modesta família católica. Tal como o seu antecessor polaco, o Papa João Paulo II, a sua juventude foi marcada pelo nazismo e pela guerra. Como jovem seminarista, foi recrutado contra a sua vontade para a Juventude Hitleriana.
Em Junho de 1951, na altura com 24 anos, foi ordenado sacerdote, no mesmo dia que o irmão mais velho, Georg. Recorde-se que o papa emérito visitou o irmão em junho de 2020, na Alemanha, dias antes da sua morte.
Joseph Ratzinger era um brilhante professor de teologia em Tübingen e Regensburg, tendo participado como perito no Concílio Vaticano II, de 1962. Na altura, tinha apenas 35 anos de idade e era então percebido como um reformador. Mas os acontecimentos de Maio de 1968, a crise contestatária no seio da Igreja e a reforma litúrgica do Vaticano II, mudariam profundamente a sua abordagem à modernidade.
Em 1977, o Papa Paulo VI nomeou-o Arcebispo de Munique. Esta posição foi de curta duração no tempo, pois, em 1981, o Papa João Paulo II chamou-o a Roma para chefiar a poderosa Congregação para a Doutrina da Fé. Guardião intransigente da ortodoxia católica, permaneceu ali durante quase um quarto de século até à morte de João Paulo II a 2 de Abril de 2005.
A 19 de Abril de 2005, os cardeais elegeram-no como o papa que sucederia a João Paulo II, naquele que foi o quarto escrutínio.
Adoptou o nome de Bento, em memória de Bento XV, defensor da Europa e da paz. Na altura, aos 78 anos de idade, aceitou a pesada responsabilidade por um sentido de dever de “manter a casa”. Além disso, estava lúcido acerca das tempestades que se avizinhavam.
Em 2001, as revelações de abusos sexuais por padres na diocese de Boston fizeram estalar uma grande crise no seio da Igreja. Dias antes da sua eleição, ele tinha mencionado claramente as “impurezas na Igreja”, uma igreja que, segundo defendeu, se assemelhava a um “barco que vaza água”, uma alusão relacionada com a crise da pedofilia, a que o seu sucessor ainda está a lutar para pôr fim.
Sozinho na altura, no meio de uma cascata de revelações, Bento XVI assumiu o pesado fardo da cultura do silêncio, que tinha prevalecido na Igreja durante décadas. Ele foi o primeiro a falar de “tolerância zero”. Foi também o primeiro papa a pedir perdão pelas falhas cometidas pela Igreja durante a sua viagem à Austrália, em 2008, para o Dia Mundial da Juventude (DMJ).
Para além desta grande crise, houve uma série de controvérsias que marcaram o período em que foi líder supremo da Igreja Católica. Uma das mais conhecidas foi o discurso na Universidade de Regensburg sobre “Fé e Razão”, em Setembro de 2006. Na altura, Bento XVI levantou a questão da ligação entre a violência e a religião.
Um mal-entendido sobre o texto provocou duras críticas provenientes do mundo muçulmano e causou grandes tensões, que viriam a acalmar pouco depois, durante a sua visita à Mesquita Azul, em Istambul.
Existiram ainda outros escândalos que marcaram o seu pontificado e que lhe valeram críticas dos meios de comunicação sociais. Foram eles, uma declaração sobre preservativos, no avião para os Camarões, em 2009, o seu apoio à beatificação do controverso Papa Pio XII e o levantamento da excomunhão do Bispo Williamson, um bispo fundamentalista da Fraternidade Sacerdotal de S. Pio X.
Ao contrário do seu sucessor, o Papa Francisco, o reservado e tímido Bento XVI não tinha a autoridade nem o temperamento para se impor e reformar a cúria.
O “caso Vatileaks“, uma fuga de documentos confidenciais que revelou a existência de uma grande rede de corrupção, foi outra das grandes crises no seio do Vaticano.
O Papa Francisco anunciou a sua demissão, em frente aos Cardeais, em latim, a 11 de Fevereiro de 2013. Mais do que os seus muitos discursos, as suas encíclicas, incluindo a “Caritas in Veritate” sobre as injustiças da globalização, as suas mensagens preocupadas perante uma sociedade ocidental em vias de descristianização, é o anúncio da sua demissão a 11 de Fevereiro de 2013 que continua a ser a marca do seu pontificado.
Ao deixar voluntariamente um cargo que já não podia manter, Bento XVI é visto como um conservador, que revolucionou o exercício do papado.
Joseph Ratzinger tornou-se o primeiro Papa a abdicar do cargo nos últimos 600 anos da história da Igreja. Desde que renunciou, vivia no mosteiro “Mater Ecclesiae”, no coração dos jardins do Vaticano.
Bento XVI, que se encontrou regularmente com o Papa Francisco, continuou a analisar a evolução das sociedades, que ele via como ameaçadas pela sua distância de Deus e pelas mudanças antropológicas, entre as quais se destacava o casamento homossexual.
Reformado numa vida de oração e estudo, assinou um livro com o Cardeal Sarah, no início de 2020, sobre a defesa do celibato dos padres, que ele via como estando ameaçado. Restaurar o gosto pela fé cristã e ainda restaurar a unidade cristã foram os principais objectivos do papa alemão, talvez o último papa europeu a ser mal compreendido.
// RFI