Sentado em uma suíte espaçosa em um luxuoso hotel em Londres, Phil Collins está devorando um prato de batatas fritas. “Depois você pode me trazer uma taça de vinho branco, por favor?”, pede o músico a um assistente.
O pedido me causa surpresa, já que sua recém-lançada autobiografia, Not Dead Yet (Ainda não Morri, em tradução livre) revela, pela primeira vez, a extensão de sua batalha contra o alcoolismo.
“Uma noite após a outra, eu me vi na cama, olhando para o céu cinzento da Suíça, arruinando minha vida. Eu estava completamente sozinho – meus amigos eram Johnnie Walker e Grey Goose”, diz ele, em referência a marcas de uísque e vodca.
A passagem do livro narra uma bebedeira que começou na Suíça e terminou após um voo até Nova York e, depois, um período em que ficou na UTI, quando ouviu um médico sussurrar para sua família: “O testamento do senhor Collins está em ordem?”
Em entrevista à BBC, ele confessa: “Houve muitos momentos de tristeza como essa. Todos por culpa minha. Às vezes, eu apenas desabava. Um dia, lembro que estava tentando levantar para dar um abraço nas crianças e me desequilibrei. Deixei marcas de dente no piso da sala.”
“Outra vez lembro de estar subindo as escadas e desmaiar. Acordei com uma poça de sangue em volta da minha cabeça. São muitos momentos dos quais eu não me orgulho.”
Segundo o livro, Collins está sóbrio há três anos – e ele percebeu meu estranhamento quando pediu um vinho. “Atualmente, eu consigo tomar duas ou três taças de vinho – e isso é o suficiente para mim, obrigado”, conta.
Sem família nem shows
Ele diz ainda que o alcoolismo foi uma “aberração” em sua vida causada por uma espécie de vazio criado por seu divórcio e pela agenda de shows vazia.
“Eu não tinha nem trabalho nem família. Sentia que eu merecia uma folga, eu queria ficar um tempo sem nada para fazer. Então, eu ligava a TV, assistia algum jogo e, você sabe, comecei a beber demais.”
“Então, acho que eu estava tentando preencher um buraco. Mas agora eu reatei com a minha família, então, há um pouco mais de normalidade.”
Ele também voltou a trabalhar: acaba de anunciar uma série de shows a partir de junho do ano que vem, incluindo eventos no Royal Albert Hall, em Londres.
Mas até lá, ainda há muito trabalho pela frente.
Uma turnê do Genesis em 2007 o deixou com uma vértebra descolada no pescoço que afetou os nervos de sua mão, fazendo com que não conseguisse mais tocar bateria na época. Ele também passou por uma cirurgia no ano passado, além de agora ter de andar de bengala por conta de uma fratura no pé.
“Ainda consigo fazer shows, mas não vou ficar correndo de um lado para o outro. Outras pessoas farão isso por mim.”
Solo de bateria
Sobre voltar a tocar bateria, ele diz estar determinado. Mais do que isso, planeja tocar seu famoso solo na música In the Air Tonight. “É algo que, em teoria, iria deixar o público enlouquecido e faria muito bem para minha alma.”
Collins hoje é tão “pé no chão” – ele passou longos minutos explicando truques para jogar Crash Bandicoot, um game de PlayStation – que é fácil esquecer o tamanho de seu sucesso nos anos 80 e 90.
Um dos três únicos artistas a vender 100 milhões de álbuns tanto em carreira solo como integrando uma banda, ele aliou seus trabalhos solos com shows e álbuns do Genesis, papéis em filmes, trilhas sonoras para a Disney e produções para artistas como Eric Clapton.
No livro, ele fala ainda de se reinventar com baladas pop e de como não sabia que um de seus discos havia vendido 25 milhões de cópias. Passando longe de um tom vingativo, ele também trata de seus divórcios e esclarece o que chama de boatos que o perseguiam, como o de que havia pedido divórcio por fax e desentendimentos com Robert Plant.
Mas então o que ele aprendeu sobre si mesmo no processo de escrever o livro?
“Bem, eu descobri que trabalhei demais – algo que eu não necessariamente me dei conta na época”. E isso lhe custou o fim de seus três casamentos, ele diz ter entendido que não há ninguém a culpar, a não ser ele mesmo.
Então, eu cito um capítulo em que ele e a banda decidem sobre uma nova turnê em que ele diz “não consigo dizer não” e pergunto se esse não seria um bom subtítulo para o livro “o homem que não conseguia dizer não”.
Mas Collins diz que ele se sentia obrigado a manter seus compromissos.
“Se você disser não, o seu telefone pode nunca mais tocar.”
// BBC