As importações que mostram como saúde do brasileiro já depende da China

Uma das vacinas em estágio mais avançado de desenvolvimento, a Coronavac é produzida no Brasil por um consórcio da empresa chinesa Sinovac com o Instituto Butantan, em São Paulo. A instituição anunciou que pretende enviar os resultados dos testes de eficácia para a Anvisa até dia 15 de dezembro.

Mais ainda há muita desconfiança em relação à ela por causa da origem chinesa — apesar do Brasil já importar uma enorme quantidade de remédios e insumos farmacêuticos do país asiático.

A Coronavac tem um alto índice de rejeição entre os brasileiros: uma pesquisa feita pelo Instituto Real Time Big Data, mostrou que 46% dos entrevistados “não tomariam uma vacina de origem chinesa”. A pesquisa entrevistou mil pessoas por telefone nos dias 13 e 14 de outubro. A margem de erro é de três pontos (para mais ou para menos) e o nível de confiança é de 95%.

Os teste feitos até agora comprovaram que a vacina é segura. Diante disso, diversas hipóteses surgiram para explicar essa rejeição. Elas vão desde preconceito contra a China e desconfiança de produtos chineses até a politização criada pela rivalidade entre o presidente Jair Bolsonaro e João Doria, o governador de São Paulo, onde a Coronavac está sendo produzida e estudada no Brasil.

Boa parte da produção da Coronavac será no Institutio Butantan, em São Paulo. Mas os lotes de vacina da Sinovac que forem importados não serão, de longe, os primeiros medicamentos chineses consumidos no país. A verdade é que boa parte remédios no Brasil hoje já são produzidos com insumos vindos da China, que nos últimos 20 anos gradativamente se tornou uma potência em produção de medicamentos.

Para a produção de remédios, a indústria farmacêutica utiliza insumos farmacêuticos ativos (IFAs), também conhecidos como princípios ativos dos medicamentos — substâncias como a heparina (um anticoagulante) e cloridrato de metformina (um antiglicêmico), por exemplo.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abifiqui), somente 5% dos insumos utilizados pela indústria farmacêutica para a produção de remédios prontos são produzidos no Brasil — o outros 95% são importados.

E cerca de 35% desses insumos importados pelo Brasil vêm da China, de acordo com relatório da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de outubro. O único país que exporta para o Brasil mais ingredientes do que China é a Índia: 37% dos insumos farmacêuticos vêm de lá.

“Por razões econômicas e tecnológicas, o mundo todo hoje importa muitos insumos da China”, explica Norberto Prestes, presidente executivo da Abiquifi. “Indiscutivelmente, no mundo inteiro, não só para nós, eles são grandes competidores”

Além disso, explica Prestes, boa parte dos princípios ativos produzidos no Brasil também importa matéria-prima chinesa.

E a China produz 8% dos insumos utilizados em remédios prontos importados do Brasil de outros países, como Estados Unidos e Alemanha, segundo a Anvisa.

De analgésicos a antibióticos

A gama de insumos importados da China é ampla e inclui medicamentos comuns: de analgésicos e anti-inflamatórios, como o ibuprofeno, a protetores gástricos com o sucralfato. “Essa mesma pessoa que não quer tomar uma vacina chinesa provavelmente já tomou medicamentos produzidos com insumos chineses, porque eles são muito comuns”, afirma Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos).

São importados do país asiático de remédios para asma a anti-hipertensivos, como a valsartana, a losartana e o felodipino.

Um dos remédios anti-hipertensivos produzidos com felodipino, inclusive, é um exemplo de medicamento produzido por indústrias de outros países, como a Suécia, mas que terceirizaram a produção para fábricas suas na China.

Um das categorias com grande número de insumos importados da China é a dos antibióticos, como a penicilina, explica o presidente da Sindusfarma.

O Brasil já foi produtor desse insumo, mas o produto nacional acabou perdendo a produtividade, e as fábricas de penicilina brasileiras fecharam. “É algo que precisa de muita escala, porque você produz em tonelada e vende em gramas. Ficou muito caro produzir no Brasil e perdeu a competitividade”, explica.

Já a China e a Índia fizeram um grande investimento nos últimos 20 anos na sua indústria de química fina, que produz as substâncias usadas nos remédios, e hoje são os principais concorrentes neste mercado, afirma Norberto Prestes, da Abifiqui.

Segundo ele, a importação de remédios da China e da Índia é algo não que deve mudar tão cedo. “A gente nem tem a intenção de competir com esses países, o consumo no mercado interno não justifica um investimento em grande escala em química fina”, diz Prestes.

“Mas há alguns insumos como a heparina, hoje importada da China, que poderia ser produzida localmente por ter origem animal.”

Segundo Prestes, o que a indústria nacional precisa não é competir com os gigantes asiáticos, mas ter flexibilidade em sua produção para suprir demandas específicas em caso de escassez devido a situações atípicas, como a pandemia de coronavírus.

“Com a pandemia faltou não só insumo para a indústria farmacêutica, mas todo tipo de matéria-prima para diversas áreas, por isso é preciso ampliar nossa flexibilidade para conseguir produzir alguns insumos básicos”, explica Prestes.

Segundo economistas, a pandemia de coronavírus gerou um desarranjo das cadeias produtivas no mundo todo, gerando escassez de produtos em diversas áreas.

Inspecionados e aprovados pela Anvisa

Para poderem ser utilizados pela indústria farmacêutica, todos os medicamentos importados da China são, antes de tudo, aprovados pela Anvisa.

Além de analisar os compostos em si, a agência de vigilância sanitária brasileira faz inspeções periódicas nos países exportadores. E o segundo país com maior número de vistorias, segundo o relatório da Anvisa de outubro, é a China, com 73 duas inspeções em 42 empresas entre 2010 e 2019. Somente a Índia recebeu mais inspeções da Anvisa.

Segundo a agência, empresas chinesas têm 95 certificados de boas práticas na produção de remédios.

O país exportador que mais teve não-conformidades por inspeção feita foi o México. E, embora não-conformidades com as práticas exigidas também tenham sido encontradas em fabricantes na China, as empresas que não atendem aos padrões de qualidade exigidos perdem o registro da Anvisa e ficam impossibilitadas de exportar produtos para o Brasil.

Segundo o presidente a Sindusfarma, além da análise da Anvisa, o controle de qualidade também é feito pela indústria. “As empresas brasileiras têm uma expertise em avaliar a qualidade dos parceiros, das matérias-primas e dos medicamentos acabados”, diz Nelson Mussolini.

“A China hoje é uma grande potência e se tornou um parceiro de qualidade. Eles também também exportam para os EUA e para a Europa, e o FDA (Food and Drugs Administration, a vigilância sanitária dos EUA) também faz fiscalização lá para autorizar a importação de produtos.”

// BBC

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