Com seu calor abrasador e sua atmosfera corrosiva, o inferno tóxico de Vênus não é o lugar mais convidativo do Sistema Solar. Mas, se você tiver a oportunidade de visitá-lo, certifique-se de retornar antes do anoitecer.
Uma nova análise do misterioso lado noturno de Vênus – a metade escura imperceptível que se afasta do Sol – revelou, de modo inesperado, que a atmosfera venusiana e as intensas ventanias são ainda mais caóticas quando o planeta está escondido nas sombras.
“Esta é a primeira vez que conseguimos avaliar como a atmosfera circula no lado noturno de Vênus em uma escala global”, diz o astrofísico Javier Peralta, da Japan Aerospace Exploration Agency (JAXA), autor do estudo que foi publicado na Nature Astronomy.
“Embora a circulação atmosférica no dia do planeta tenha sido amplamente explorada, ainda havia muito a descobrir sobre seu lado noturno”, completa. Este misterioso trecho da noite foi ainda mais intrigante devido à sua considerável extensão.
Vênus roda apenas uma vez a cada 243 dias terrestres – o giro mais lento de qualquer planeta no nosso Sistema Solar – e há muitas informações que desconhecemos sobre o que acontece com o clima quando o Sol cai (isso ocorre durante um longo tempo).
Para descobrir o mistério, a equipe de Peralta olhou para a escuridão venusiana usando o Espectrômetro de Imagem Térmica Visível e Infravermelho (VIRTIS), na nave espacial Venus Express, da ESA, que orbitou o planeta entre 2006 e 2014.
A atmosfera de Vênus é dominada por fortes ventos que se arrastam ao seu redor até 60 vezes mais rápidos que a rotação do próprio planeta. Esse fenômeno é chamado de “super rotação”, que os cientistas observaram ao rastrear o movimento de nuvens brilhantes flutuando acima do planeta.
“Passamos décadas estudando esses ventos super rotativos ao acompanhar como as nuvens superiores se movem durante o dia – estas são claramente visíveis nas imagens feitas com luz ultravioleta”, diz Peralta.
“No entanto, nossos modelos de Vênus permanecem incapazes de reproduzir esta super rotação, o que indica claramente que talvez faltem algumas peças deste quebra-cabeça”, acrescenta.
Noites longas
As emissões térmicas haviam sugerido, anteriormente, o movimento das nuvens mais altas na atmosfera de Vênus. Quanto ao que ocorria debaixo do dossel da nuvem, os cientistas não tinham conhecimento. Graças à Venus Express, agora temos uma imagem mais clara.
“O VIRTIS nos permitiu ver essas nuvens com clareza pela primeira vez, o que nos leva a explorar o que as equipes anteriores não poderiam. Com isso, descobrimos resultados inesperados e surpreendentes”, diz Peralta.
Os modelos existentes da atmosfera previram que a super rotação ocorreu, em grande parte, da mesma maneira nos lados do dia e da noite de Vênus, mas a nova perspectiva infravermelha mostra que os ventos venusianos giratórios são irregulares e caóticos quando o planeta se esconde do Sol.
A pesquisa da equipe mostra que o lado da noite produz nuvens volumosas, onduladas e irregulares em padrões de filamentos que não são observados no lado ensolarado. A equipe acredita que um fenômeno chamado de ondas estacionárias seja o responsável pelo efeito.
“As ondas estacionárias são provavelmente o que chamaríamos de ondas de gravidade, ou seja, variações crescentes geradas em regiões mais baixas na atmosfera de Vênus, que parecem não se mover junto à rotação do planeta”, diz um dos pesquisadores, Agustin Sánchez-Lavega, da Universidade do País Vasco, na Espanha.
“Essas ondas estão concentradas em áreas íngremes e montanhosas do planeta, o que sugere que sua topografia está afetando o que se desenrola bem acima nas nuvens”, afirma.
Informações inéditas
Na verdade, não é a primeira vez que essas ondas gravitacionais foram observadas em Vênus, mas os novos dados sugerem que o fenômeno não se restringe exclusivamente às regiões elevadas do planeta, como suas montanhas.
No estudo, a VIRTIS observou áreas no hemisfério sul de Vênus, que geralmente é baixo em elevação. A equipe diz que as ondas de gravidade ainda influenciam os movimentos atmosféricos.
Estranhamente, porém, não houve evidência dessas movimentações nos níveis mais baixos da nuvem, a até 50 quilômetros (cerca de 30 milhas) acima da superfície.
Quanto ao motivo, a equipe não tem certeza. Parece que, enquanto conquistamos melhores olhares das sombras, Vênus definitivamente ainda não desistiu de manter guardados todos os seus segredos.
“Nós esperávamos encontrar essas ondas nos níveis mais baixos porque as vemos nas regiões superiores, e pensamos que elas surgiram a partir da nuvem da superfície”, diz um dos integrantes da equipe, Ricardo Hueso, da Universidade do País Basco, na Espanha.
“É um resultado inesperado, com certeza, e todos precisamos rever nossos modelos de Vênus para explorar seu significado”, conclui.
Ciberia // HypeScience