Uma faxineira brasileira e autodidata vai contar a própria história em palestra nesta sexta (15), na Cuny University, em Nova York. O evento, mediado pelo doutor Eduardo Vianna, será transmitido ao vivo pelo Facebook do BradoNYC e vai contar ainda com poesia e projeções da vida da mineira na Big Apple.
A mineira Alline Parreira nasceu no sertão, em Manga, foi adotada duas vezes e aos 3 meses foi criada por uma família branca.
Ela não possui curso superior, é ativista social e se sustenta fazendo faxinas em casas nova-iorquinas, onde vive há dois anos. “Para nós, mulheres negras, não foi permitido narrar nossas histórias em primeira pessoa, eu quebro esse paradigma, eu que conto minha história, para mim é muito importante”, aponta.
Universidade da vida
“A vida foi a minha universidade. Eu sem curso superior, sem nada, adquiri todas essas informações. Aprendo e pesquiso muito. Minha construção identitária é baseada no que aprendi lendo os autores acadêmicos Angela Davis e Frantz Fanon”, relembra.
“Com Angela Davis, em ‘Mulheres, Raça e Classe’, eu identifiquei que em todo este processo da construção de minha identidade, gênero, raça e classe sempre caminharam juntos, sou mulher negra e pobre. Com Frantz Fanon, no livro ‘Peles Negras Máscaras Brancas’, de uma forma muito radical eu me descolonizei, modifiquei totalmente o meu ser, me libertei”, conta Alline.
“Não podemos dicotomizar os dois tipos de conhecimento”, aponta Eduardo Vianna. “O conhecimento conceitual, teórico, tem que estar a serviço da prática, mas a prática precisa ser analisada, o que requer conceitos”, defende o mediador.
Durante a palestra, Alline incluirá uma performance surpresa que será seguida de uma conversa sobre privilégio, identidade e transformação social.
História
Sem a aplicação correta do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Alline foi doada pela mãe e adotada por uma mulher extremamente pobre que também morava em Manga, e mais tarde foi adotada pela mãe dessa mulher.
Elas moravam no sertão de Minas Gerais, quase na divisa com a Bahia, à beira do Rio São Francisco, e Alline passou por todo tipo de privação possível. Na escola, sofreu rejeição e teve de ser alfabetizada pela mãe, analfabeta. Elas aprenderam a ler e escrever juntas.
Apesar de todas as impossibilidades, Alline conseguiu dar a volta por cima ao descobrir programas governamentais.
Outro ponto marcante na história da brasileira foi quando ela ganhou uma bolsa e viajou sozinha pelo continente africano. “Mudou meu rumo, e ampliou os meus horizontes, com o conhecimento prático, de uma mulher negra viajando sozinha”, relembra.
Daí em diante, Alline – que já havia tomado gosto pelos estudos e pela leitura – passou a aplicar os conceitos críticos que ia aprendendo com autores que combatem opressões, como racismo e misoginia, à sua própria realidade e trajetória de vida.
“Quando relato minha trajetória, as pessoas se surpreendem: fui adotada de forma ilegal, cresci numa família branca e extremamente pobre, completamente disfuncional. Vivi muitas opressões tanto da minha família adotiva quanto na escola. Ninguém nunca esperou nada de bom de mim”, relembra.
“Quando fala-se de uma criança negra adotada por uma família branca, logo se imagina que a família seja rica, mas a minha era muito pobre, não tínhamos luz elétrica, cozinhávamos em fogão a lenha, por falta de gás”, contou ao site Geledes.
Alline espera narrar sua história em livro. Para isso, está buscando parcerias e editoras.
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