O dia mais importante na vida de um jovem talvez seja quando ele descobre que entrou na tão sonhada universidade. Pode-se multiplicar essa felicidade por mil se a faculdade for pública e se o curso for medicina, um dos mais difíceis.
Beatriz Albino Servilha, de 19 anos, passou 3 anos estudando para entrar em medicina, mas graças a nota máxima que tirou na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ela não somente conseguiu, como foi aprovada em uma das melhores universidades públicas do país, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O pai de Beatriz é pedreiro. A mãe, telefonista. Mas mesmo sem condições para bancarem seus estudos, a jovem nunca desistiu. O que a impulsionou a continuar tentando foi a vontade de mostrar para eles, que mesmo sendo filha de pobre, ela conseguiria um dia, ser médica.
E o esforço não foi pouco: “era meu 3º ano tentando entrar na faculdade. Eu sabia que minha família não teria condições de manter meus estudos. Mas, mesmo assim, nunca me direcionaram para outra área. Nossa situação financeira não me impediu de correr atrás do que eu queria”.
Apenas 53 candidatos do Brasil inteiro tiraram nota 1000 na redação e ela foi um deles. O tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” ajudou a jovem falar com propriedade e garantir a nota máxima, já que fazia dois anos que ela estudava Libras para poder se comunicar com uma amiga surda.
A emoção foi tanta quando recebeu a folha da redação, que ela começou a chorar. “Não achei tão difícil, porque tenho contato direto com a comunidade surda, que me impulsionou a continuar”, afirmou.
Ela, que é intérprete da língua de sinais na igreja em que frequenta, argumentou na redação dizendo que o Brasil carece de profissionais capacitados. “Não basta formar qualquer tipo de profissional. Existem aqueles que têm capacidade de trabalhar em tribunal, em teatro, em igreja ou em escolas. A sociedade é muito ignorante e não vê Libras como algo importante e oficial”, disse ao G1.
Depois de 2 anos de cursinho preparatório para vestibular, ela comemora sua conquista, que é apenas o começo de uma grande carreira na medicina. Sempre aluna aplicada, ela conta que conseguiu bolsa integral nos 2 anos em que fez cursinho, no primeiro, porque a prima já havia estudado lá e, no segundo, por causa da boa nota na redação do Enem.
Aprovada pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), na cota de estudantes de escola pública, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo, Beatriz mostra que não é apenas de redação que ela entende e diz que o sistema de cotas não é um benefício, mas sim uma maneira do governo consertar um erro.
“Isso não é sistema de benefício a ninguém. É a forma de o governo corrigir um erro que é deixar o negro de lado, negligenciar a educação do pobre. Por anos, não tive matemática nem biologia”, conclui.
Ciberia // G1 / Razões para Acreditar