Por 19 votos a 17, foi rejeitado na Câmara de Vereadores, na última quarta-feira (16), o projeto de lei que inclui o Dia da Visibilidade Lésbica no calendário oficial do Rio de Janeiro. De autoria da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), o projeto foi construído com os movimentos e as coletivas de mulheres organizadas na Frente Lésbica do Rio de Janeiro.
A rejeição acontece no mês da visibilidade lésbica, já que a data de 29 de agosto foi eleita por militantes lésbicas brasileiras, durante o 1° Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), em 1996, como o Dia da Visibilidade Lésbica.
Para a vereadora, a não aprovação da lei não significa uma derrota do movimento, mas representa o quanto “essa Casa é conservadora, reacionária e, pior, fundamentalista”.
“Agosto é um mês de comemoração e reivindicação e pautamos como momento de concretização e processo de uma luta pelo direito de amar, ser e existir. Tiramos a Câmara da zona de conforto e não é à toa que buscamos representatividades das mulheres, mulheres negras, mulheres lésbicas, mulheres faveladas. Vai ter muita luta e mulher lésbica na Câmara”, destacou Marielle que ainda lembrou que no mesmo dia duas mulheres lésbicas, em Rio das Ostras (RJ), foram violentadas.
“Esse tema não será colocado para debaixo do tapete. Sim. Nossas vidas importam”, acrescentou a parlamentar.
Vereadores contrários, como Otoni de Paula (PSC-RJ), utilizaram argumentos como “risco” para inclusão do debate de gênero nas escolas.
“Votarei contra por entender que a visibilidade lésbica entrar no calendário da cidade é desnecessário. Mais visibilidade do que o movimento LGBT tem tido nessa cidade e nesse país é impossível. A partir do momento que permitimos a aprovação, vamos permitir o acesso desse dia nas escolas públicas. A minha preocupação é que algo aparentemente normal seja usado depois para outros fins que nós, enquanto bancada evangélica, combatemos”, enfatizou em seu discurso durante a votação.
Em contrapartida, em documento enviado aos parlamentares, a Frente Lésbica destacou: “lésbicas sofrem com a falta de políticas públicas para saúde com dificuldade de acesso a exames como, por exemplo, preventivo; sofrem estupro corretivo; lésbicas têm seus corpos e seus afetos fetichizados; casais de mulheres sofrem assédio sexual nas ruas”.
Para o vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ), comemorar o Dia da Visibilidade Lésbica significa criar memória a fim de que a população carioca se lembre de que lésbicas existem e, simbolicamente, a data fortalece a luta.
“A nossa sociedade é aquela que tem um dos maiores índices de assassinato, preconceito e violência. Eu defendo que os currículos escolares incorporem o combate ao machismo, ao racismo e à LGBTfobia. A missão da escola educar para a vida”, ressaltou Tarcísio.
A vereadora Luciana Novaes (PT-RJ) afirmou que a votação foi um absurdo. “Se até o pão ganhou um dia no calendário carioca, não por ser um alimento sagrado, mas por ser considerado um alimento típico do Rio, por que não aprovar o Dia da Visibilidade Lésbica? Por puro preconceito e machismo da casa”, ratificou.
Favorável ao projeto, o vereador Dr. João Ricardo (PMDB-RJ) disse que a violência contra homossexuais é enorme e a visualiza todos os dias no hospital.
Mulher lésbica resiste
Cerca de 40 mulheres lésbicas – com o apoio de pessoas trans da CasaNEM e da vereadora suplente do PSOL-RJ, Indianara Siqueira, ocuparam a galeria da Câmara para pressionar os vereadores. Uníssonas, elas anunciaram que ano que vem haverá eleição e seus votos não serão esquecidos.
Com lágrimas nos olhos, a militante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), Virgínia Figueiredo, de 58 anos, contou que esta foi a primeira vez que ela viu um projeto direcionado exclusivamente para lésbicas em 41 anos de militância.
“Incluir o Dia da Visibilidade Lésbica no calendário oficial significa instituir um marco de balanço e debates sobre as nossas pautas”, argumentou Virgínia.
Uma reivindicação histórica é a formulação de dados específicos sobre mulheres lésbicas. “Precisamos pensar em um cadastro único nos prontuários, nos equipamentos de segurança pública, nas escolas, etc. Enquanto não tivermos os dados, continuaremos no apagamento. Estatisticamente, nós não existimos. Aprovar a data seria um gesto simbólico para a ampliação de outras políticas para lésbicas”, pontuou Virgínia que ainda reforçou a necessidade de afirmar o Estado laico.
“Não podemos permitir que parlamentares utilizem argumentos de cunho religioso para legislar sobre direito. A laicidade do Estado é pauta central do movimento”, disse.
Michele Seixas, que é assistente social, integrante das coletivas Sapa Roxa, ABL e Grupo de Mulheres Felipa de Souza, acredita que “apesar da PL da Visibilidade Lésbica não ter sido aprovada por apenas dois votos de diferença, isso nos dá forças para acreditar que ainda não fomos derrotadas. A luta continua!”.
Sob o olhar de extermínio: esta foi a percepção da estudante de serviço social e integrante da Coletiva Visibilidade Lésbica, Isabel Netto, durante a votação na Câmara. “Somos invisibilizadas e apagadas a tal ponto que não temos direito a ter uma data da visibilidade lésbica”, disse.
Já a jornalista Ana Costner apontou o apagamento de lésbicas nos discursos dos vereadores. “Eles falaram sobre tudo, debate de gênero, escolas, menos a palavra lésbica. Nem isso eles mencionaram”, analisou.
Para a psicóloga Luísa Furtado, o espaço e o ambiente da Casa não são feitos para a participação popular. “Os alto-falantes, o campo de visão das galerias e até mesmo os seguranças que se aproximam quando nos manifestamos representam a distanciamento proposital da Câmara com a população”, destacou.