Cápsulas de café usadas podem ser aproveitadas na produção de filamentos para impressão 3D

Sara Van de Velde / Flickr

O Brasil é o maior produtor, o maior exportador e, depois dos Estados Unidos, o segundo maior consumidor de café do mundo.

Artigo publicado na revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering traz uma boa notícia para os apreciadores de café: cápsulas de matéria plástica descartadas já podem ser utilizadas como matéria-prima para a fabricação de filamentos destinados, por exemplo, à impressão 3D, minimizando impactos ambientais.

Essa alternativa foi testada com êxito por grupos das universidades Federal de São Carlos (UFSCar), Estadual de Campinas (Unicamp) e Manchester Metropolitan (Reino Unido).

“Produzimos novos filamentos, condutores e não condutores, utilizando o polímero ácido polilático [PLA] proveniente das cápsulas de café. Esses filamentos podem ser utilizados para as mais diversas aplicações, incluindo peças condutoras para máquinas e sensores”, diz à Agência FAPESP Bruno Campos Janegitz, coordenador do Laboratório de Sensores, Nanomedicina e Materiais Nanoestruturados (LSNano) da UFSCar, em Araras, e coautor do artigo.

O Brasil é o maior produtor, o maior exportador e, depois dos Estados Unidos, o segundo maior consumidor de café do mundo. Embora no mercado brasileiro predomine amplamente o café de baixa qualidade – com grãos da espécie robusta (Coffea canephora) e alta incidência de defeitos e impurezas, que os fabricantes disfarçam por meio da torra excessiva e os consumidores escondem acrescentando grandes quantidades de açúcar ou adoçantes –, tem crescido de forma consistente o segmento dos chamados cafés gourmets e especiais.

Produzida com grãos selecionados da espécie arábica (Coffea arabica) e menor tempo de torra, de modo a preservar o açúcar natural e as qualidades olfativas e gustativas do café, a versão “gourmet” pontua de 75 a 80 na escala de zero a cem da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).

O “especial”, para alcançar essa classificação, precisa ter também certificado socioambiental e pontuar no mínimo 80 na escala da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA).

Além do produto, a qualidade final da bebida depende também do modo de preparo. Por isso, tem-se difundido o uso doméstico de equipamentos como a prensa francesa, a cafeteira italiana e, em um patamar de preço mais elevado, a cafeteira abastecida com pó encapsulado. O problema, neste último caso, é o que fazer com a cápsula após o uso.

Bruno Campos Janegitz/UFSCar

Cápsulas usadas e algumas peças produzidas por meio de impressão 3 D

Apesar de existirem cápsulas reutilizáveis e de alguns fabricantes também promoverem a reciclagem das versões feitas em alumínio, o descarte puro e simples predomina, principalmente no caso das cápsulas de matéria plástica. Considerando todos os fatores envolvidos, uma conta feita no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) mostrou que “tomar um cafezinho de cápsula pode ser até 14 vezes mais prejudicial ao meio ambiente do que ‘passá-lo’ no coador de papel”.

Novo destino

Com o objetivo de encontrar novas destinações para esses resíduos, os pesquisadores produziram células eletroquímicas com filamentos do PLA não condutor e sensores eletroquímicos com os filamentos condutores, que foram preparados por meio da agregação de negro de fumo ao PLA. O negro de fumo é uma forma de carbono paracristalino resultante da combustão incompleta de hidrocarbonetos. “Os sensores eletroquímicos foram usados para a determinação do percentual de cafeína em chá verde e café arábica”, informa Janegitz.

O pesquisador conta que a produção dos filamentos é relativamente simples. “A obtenção de material não condutor consiste simplesmente na lavagem e secagem das cápsulas de PLA, seguidas por extrusão em sistema a quente. Para a obtenção de material condutor, é preciso agregar o negro de fumo antes do aquecimento e da extrusão. O material extrusado é então resfriado e enrolado, dando origem aos filamentos de interesse”, detalha.

O processo todo é um bom exemplo da chamada “economia circular”, na qual os resíduos gerados em uma atividade econômica, em vez de serem tratados como problemas, impactando o meio ambiente, são convertidos em recursos para implementar outra atividade. “A base polimérica obtida das cápsulas usadas pode gerar dispositivos com alto valor agregado”, comenta Janegitz.

Ele e a doutora Cristiane Kalinke, da Unicamp, participaram do estudo durante estágio de pesquisa no exterior, sob a supervisão do professor Craig Banks, da Manchester Metropolitan University (Reino Unido).

Janegitz recebeu apoio da FAPESP por meio de um Projeto Temático e de Bolsa de Pesquisa no Exterior. Kalinke foi apoiada com Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior. Além deles, o trabalho contou também com a participação do professor Juliano Alves Bonacin, da Unicamp.

 

COMPARTILHAR

DEIXE UM COMENTÁRIO:

Jogos de cartas: o passatempo favorito de muitas pessoas

A sorte, o blefe, a convivência com os amigos e as vitórias inesperadas e saborosas, tornam os jogos de cartas populares em todo o mundo. Nos Estados Unidos, uma pesquisa recente mostra que “quatro em cada …

Como é feito o café descafeinado? A bebida é realmente livre de cafeína?

O café é uma das bebidas mais populares do mundo, e seus altos níveis de cafeína estão entre os principais motivos. É um estimulante natural e muito popular que dá energia. No entanto, algumas pessoas preferem …

“Carros elétricos não são a solução para a transição energética”, diz pesquisador

Peter Norton, autor do livro “Autonorama”, questiona marketing das montadoras e a idealização da tecnologia. Em viagem ao Brasil para o lançamento de seu livro “Autonorama: uma história sobre carros inteligentes, ilusões tecnológicas e outras trapaças …

Método baseado em imagens de satélite se mostra eficaz no mapeamento de áreas agrícolas

Modelo criado no Inpe usa dados da missão Sentinel-2 – par de satélites lançado pela Agência Espacial Europeia para o monitoramento da vegetação, solos e áreas costeiras. Resultados da pesquisa podem subsidiar políticas agroambientais Usadas frequentemente …

Como o Brasil ajudou a criar o Estado de Israel

Ao presidir sessão da Assembleia Geral da ONU que culminou no acordo pela partilha da Palestina em dois Estados, Oswaldo Aranha precisou usar experiência política para aprovar resolução. O Brasil teve um importante papel no episódio …

O que são os 'círculos de fadas', formações em zonas áridas que ainda intrigam cientistas

Os membros da tribo himba, da Namíbia, contam há várias gerações que a forte respiração de um dragão deixou marcas sobre a terra. São marcas semicirculares, onde a vegetação nunca mais cresceu. Ficou apenas a terra …

Mosquitos modificados podem reduzir casos de dengue

Mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia podem estar associados a uma queda de 97% nas infecções de dengue em três cidade do vale de Aburra, na Colômbia, segundo o resultado de um estudo realizado pelo …

Chile, passado e presente, ainda deve às vítimas de violações de direitos humanos

50 anos após a ditadura chilena, ainda há questões de direitos humanos pendentes. No último 11 de setembro, durante a véspera do 50° aniversário do golpe de estado contra o presidente socialista Salvador Allende, milhares de …

Astrônomos da NASA revelam caraterísticas curiosas de sistema de exoplanetas

Os dados da missão do telescópio espacial Kepler continuam desvendando mistérios espaciais, com sete exoplanetas de um sistema estelar tendo órbitas diferentes dos que giram em torno do Sol. Cientistas identificaram sete planetas, todos eles suportando …

Em tempos de guerra, como lidar com o luto coletivo

As dores das guerras e de tantas tragédias chegam pelas TV, pelas janelinhas dos celulares, pela conversa do grupo, pelos gritos ou pelo silêncio diante do que é difícil assimilar e traduzir. Complicado de falar …