Em um novo recorde, físicos do Instituto de Ciência Fotônica em Barcelona (Espanha) emaranharam 15 trilhões de átomos através do famoso fenômeno chamado entrelaçamento quântico.
Átomos emaranhados ou entrelaçados quanticamente se tornam ligados. Qualquer ação realizada em um deles instantaneamente afeta os outros, não importa qual seja a distância entre eles.
Esse espantoso processo já foi chamado de “ação fantasmagórica à distância” por Albert Einstein e possui diversas aplicações em tecnologias emergentes, de computação quântica à criptografia.
Segundo os pesquisadores do estudo recente, o novo avanço pode levar à criação de sensores mais precisos para detectar ondas gravitacionais ou até mesmo a elusiva matéria escura.
Metodologia inovadora
O emaranhamento quântico em si não é novo. No entanto, tais estados emaranhados são conhecidos por serem muito frágeis, o que significa que seus links quânticos podem se quebrar facilmente devido a menor vibração interna ou interferência externa.
Normalmente, os pesquisadores realizam experimentos quânticos na menor temperatura possível, justamente para tornar os átomos menos propensos a vibrarem, baterem um no outro e perderem sua coerência.
O problema, de acordo com a Dra. Jia Kong, cientista visitante do Instituto e principal autora do novo estudo, é que ambientes de baixa temperatura, como átomos ultrafrios, limitam a aplicação de estados emaranhados.
Logo, ela e sua equipe decidiram testar uma abordagem oposta: aquecer os átomos a uma temperatura milhões de vezes mais alta do que a de experimentos típicos, para ver se o emaranhamento persiste em tal ambiente quente e caótico.
Passo a passo
Primeiro, os pesquisadores aqueceram um tubo de vidro cheio de rubídio vaporizado e gás nitrogênio inerte a 177 graus Celsius. A essa temperatura, os átomos de rubídio entram em um estado de caos com milhares de colisões ocorrendo a cada segundo, sendo que em cada uma delas energia e spin são transferidos.
Na mecânica quântica, spin é uma propriedade fundamental das partículas, como massa ou carga elétrica. Ela dá às partículas um momento angular intrínseco. Sua tradução literal seria “giro”, mas não é bem isso que acontece.
De várias formas, o spin de um átomo é parecido com a rotação de um planeta, tanto possuindo um momento angular quanto criando um campo magnético fraco. No entanto, as semelhanças acabam por aí. Partículas, como prótons e elétrons, não podem ser consideradas objetos sólidos que giram. Além disso, quando os cientistas tentam medir o spin de uma partícula, eles só chegam a uma de duas respostas: para cima ou para baixo.
O minúsculo campo magnético gerado por esse spin é o que permite que os cientistas o meçam de várias formas. Uma delas envolve luz polarizada, ou ondas eletromagnéticas que oscilam em uma única direção.
Então, em um segundo passo, os pesquisadores direcionaram uma luz polarizada ao tubo de vidro de rubídios. Uma vez que o spin dos átomos age como um minúsculo ímã, a polarização da luz rota conforme passa pelo gás e interage com seu campo magnético.
Essa interação entre luz e átomo, por sua vez, cria um entrelaçamento entre os átomos e o gás. Quando os cientistas medem a rotação das ondas de luz que cruzam o tubo de vidro, eles podem determinar o spin total da nuvem de átomos do tubo, o que consequentemente transfere o entrelaçamento para os átomos, deixando-os em um estado emaranhado.
Colisões = entrelaçamentos
Aqui, é justamente o ambiente quente e caótico, cheio de colisões aleatórias, que cria o entrelaçamento, ao invés de desfazê-lo. Os átomos ficam em um estado chamado na física de estado singleto de spin, uma coleção de pares de partículas entrelaçadas cujo spin total é zero.
Os primeiros átomos entrelaçados passam esse entrelaçamento para os outros através das colisões, trocando seus spins enquanto o total permanece zero, permitindo um estado de emaranhamento coletivo. Por exemplo, a partícula A se entrelaça com a B, a B colide com a C, agora ambas estão entrelaçadas com a C, e assim por diante.
Esse estado persiste por pelo menos um milissegundo. Você pode achar isso pouco, mas é um tempo longo para átomos, o suficiente para 50 colisões aleatórias acontecerem.
“Isso significa que, 1.000 vezes por segundo, um novo lote de 15 trilhões de átomos está sendo entrelaçado”, afirmou Kong em um comunicado. “[O estudo] mostra claramente que o emaranhamento não é destruído por esses eventos aleatórios. Esse talvez seja o resultado mais surpreendente do trabalho”.
Aplicações
Uma vez que, nesse cenário específico, os pesquisadores só podem compreender o estado coletivo dos átomos entrelaçados, ele não é ideal para algumas das aplicações esperadas da tecnologia quântica, como computadores quânticos, que exigem o conhecimento do estado individual de partículas emaranhadas.
Dito isto, a nova técnica tem um potencial incrível para outras aplicações, especialmente o desenvolvimento de detectores de campo magnético ultrassensíveis, capazes de medir campos magnéticos mais de 10 bilhões de vezes mais fracos que o campo magnético da Terra.
Magnetômetros tão poderosos podem ser usados em várias áreas da ciência, como a neurociência. Neurocientistas utilizam magnetoencefalografia para capturar imagens do cérebro através da detecção de sinais magnéticos ultrafracos emitidos pela atividade cerebral.
“Esperamos que esse tipo de estado gigante emaranhado leve a sensores de melhor desempenho em aplicações que variam de imagens do cérebro a carros autônomos a pesquisas de matéria escura”, complementou Morgan Mitchell, professor de física do Instituto e outro membro do estudo.
As descobertas da pesquisa foram publicadas na revista científica Nature Communications.
// HypeScience