Coronavírus pode infectar a mesma pessoa duas vezes? A pergunta que intriga cientistas

Simone Venezia / EPA

Depois de ser diagnosticado com covid-19 em fevereiro, passar dias internado em um hospital de Tóquio e se recuperar, um homem japonês de cerca de 70 anos finalmente retornou à vida normal — usando transporte público, por exemplo. Mas, depois de alguns dias de alta, veio uma febre.

O idoso voltou ao hospital e, para a surpresa dele e dos médicos, fez um novo teste para o coronavírus que deu positivo.

O caso, reportado pela NHK, empresa pública de comunicação, alertou cientistas porque, até agora, muitos acreditavam que uma pessoa não podia ser infectada com covid-19 duas vezes — pelo menos a curto prazo.

Alguns países, como o Reino Unido, chegaram a basear sua estratégia inicial de combate à pandemia no princípio da “imunidade do rebanho” — que considera um cenário em que grande parte da população se tornaria imune após contrair a doença.

Mas, com o surgimento de casos como o do homem japonês, esse princípio foi posto em dúvida. Agora, a comunidade científica busca responder à pergunta: quão verdadeira é a possibilidade de que o corpo gere imunidade depois de contrair a doença?

Nova infecção ou recuperação do vírus?

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) disse à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) que “como se trata de um novo vírus, e sobre o qual ainda aprendemos mais todos os dias, no momento, não podemos dizer com certeza absoluta que uma pessoa infectada com o vírus não pode se infectar novamente.”

Uma opinião semelhante é defendida pelo virologista espanhol Luis Enjuanes, que afirma haver “uma porcentagem de pacientes, de pelo menos 14%, que, depois de terem testado negativo, retornaram ao positivo”.

No entanto, em conversa com a BBC News Mundo, o pesquisador do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC), a principal instituição de pesquisas científicas da Espanha, disse que esses casos podem estar ligados a uma “recuperação” do vírus, em vez de uma nova infecção.

“Minha explicação, entre várias possíveis, é que, em geral, esse coronavírus imuniza a população, mas talvez a resposta imune (do corpo) não seja muito forte.”

“Então, quando essa resposta imunológica diminui, o vírus, que fica em algum reservatório do corpo, reaparece”, explica ele.

Para entender melhor a hipótese de Enjuanes — que é um dos virologistas que mais estudou a Covid-19 na Espanha —, é importante saber que existem vírus que permanecem no corpo por três meses ou mais.

“O padrão é que uma pessoa infectada teria de se tornar 0 positiva, ou seja, gerar imunidade. E que, com a imunidade, o vírus não deveria ressurgir, mas o agente infeccioso pode ficar em tecidos especiais — que não estão tão expostos à defesa (pelo organismo) como outros órgãos”, explica.

Vários tipos de imunidade

A extensão da imunidade varia de acordo com cada doença. Para o sarampo, por exemplo, basta uma vacinação quando criança para se ter imunidade por toda a vida.

No entanto, existem outros vírus para os quais as vacinas não são tão eficazes. Portanto, é preciso aplicar doses com uma certa periodicidade.

E há outros casos em que, à medida que o vírus sofre mutações, novas vacinas devem ser aplicadas todos os anos — a para gripe é uma delas.

Especialista neste tipo de doença, o pesquisador Isidoro Martínez estranhou a velocidade da reinfecção no caso do paciente japonês e de outros.

“O que normalmente acontece é que, sem a imunidade duradoura, dentro de um ou dois anos, em novas epidemias, você será infectado novamente. Isso é normal”, disse Martínez à BBC News Mundo.

“Mas é raro uma pessoa ser reinfectada com o mesmo vírus logo após ser curada. Além disso, devemos ter em mente que, até onde sabemos, esse coronavírus não muda tanto quanto o vírus influenza (da gripe)”, acrescenta.

Dessa forma, Martínez se inclina para uma hipótese semelhante à de Luis Enjuanes.

“Possivelmente, o que está acontecendo no caso da covid-19 é que as pessoas que testam positivo depois de um resultado negativo são vítimas de um retorno temporário da infecção, até que seja definitivamente eliminada”, diz ele.

No entanto, o cientista destaca que ainda há muito que estudar sobre a Covid-19 e que não há certeza de que uma segunda infecção realmente seja improvável.

São respostas pendentes que poderão ser chave no planejamento de políticas de saúde contra um vírus que está afetando o mundo inteiro.

// BBC

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