A crise político-econômica “apagou o Natal” na Venezuela, onde segundo habitantes está tudo tão caro que é impossível uma ceia como antes e onde já nem se veem pisca-piscas nas ruas.
“Oxalá se tudo fosse como antes, como no tempo de Carlos Andrés Pérez, quando éramos felizes e não sabíamos”, disse uma luso-venezuelana à agência Lusa, fazendo referência ao líder de Ação Democrática que presidiu a Venezuela em duas oportunidades e que em 1989 implementou um pacote de medidas econômicas que desencadeou uma violenta explosão social, conhecida como El Caracazo.
Com nostalgia, Violeta Soares, doméstica de 67 anos, lembrou que no passado “não era preciso fazer filas para conseguir alimentos, para o pão, para conseguir leite, açúcar, café, arroz, margarina…”.
“Eram outros tempos. Havia fartura. Na mesa de Natal havia salada, pão com presunto, pernil assado, doce de papaia, broas e bebidas. Hoje, nem Coca-Cola se consegue nas lojas e ninguém bate à porta para que prove um bolo, porque ou não há ingredientes ou está tudo tão caro que é apenas para os que vivem em casa”, explicou.
No Mercado de Chacao, Manuel Pérez, de 62 anos, desabafava que “tudo está muito caro”.
“Andei comprando coisas para as ‘hayacas’ (prato típico do Natal venezuelano) e tive de fazer contas porque o dinheiro não chega para nada. Não cheira a Natal. Em casa éramos cinco, eu, a mulher, a filha, o genro e o neto. Eles emigraram e fiquei só com a mulher e, mesmo assim, se não fosse a ajuda que me mandam, passaríamos fome”, lamentou.
Para o luso-descendente José Freitas, engenheiro de software de 30 anos, neste Natal “não há nada que celebrar, está tudo tão mau no país que nem pisca-piscas se vê nas ruas”.
“Perdi mais de 11 quilos em quatro meses. Para conseguir carne tenho que perder a noite para fazer fila. Hoje tudo está a um preço e amanhã a outro. Dizem que em janeiro o salário mínimo vai aumentar, mas isso não nos alegra, porque depois os preços disparam”, explicou.
Com um carro parado há três meses por falta de uma peça, sonha “emigrar um dia para Portugal”. “Mas a realidade me sacode e me lembra que não posso pagar a viagem, que é preciso euros e que não posso deixar para trás a mulher e o bebê de dois anos”.
“Apagou-se tudo, o Natal, a esperança, a qualidade de vida e o futuro. Na Venezuela estamos deprimidos. Quem pode pensar em festejar vendo como tudo piora diariamente”, questionou.
Vários habitantes explicaram à Lusa que as ruas venezuelanas refletem a crise no país: salvo raras exceções, as pessoas deixaram de colocar adornos nas janelas, luzes nos beirais, nas árvores dos quintais e nas varandas dos apartamentos.
“Os que ainda podem, farão uma ceia mais modesta, que terminará em solidão e na saudade dos tempos em que vizinhos e amigos compartilhavam” a alegria das festividades.
Ciberia, Lusa // ZAP