A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras admitiu publicamente que, em 2017, identificou 40 casos de abusos e assédio praticados por funcionários da entidade em todo o mundo. Desses, 24 casos envolvem assédio ou abuso sexual.
Os 40 casos em que ficou configurada a prática de abuso de poder, discriminação, assédio ou outras formas de comportamento inadequado por parte de funcionários foram identificados a partir da investigação interna de 146 queixas, número que não inclui os casos tratados diretamente pelas equipes locais e não relatados à sede da organização.
Entre as 24 ocorrências caracterizadas como assédio ou abuso sexual, duas foram cometidas contra pessoas atendidas pela entidade, conhecida mundialmente por prestar ajuda médico-humanitária às vítimas de conflitos armados, epidemias, desastres naturais, desnutrição e outras situações de grave risco à saúde.
A própria organização classifica como abusos ou comportamentos inadequados aqueles que “têm um impacto imediato ou potencial sobre a saúde ou o bem-estar dos envolvidos, sobre a segurança de nossos beneficiários (pacientes e seus cuidadores) ou de nossa equipe”.
A organização acredita que o total de casos pode ser maior. Os motivos da sub-notificação podem ser os mesmos verificados na sociedade em geral, incluindo o medo das vítimas quanto a possíveis represálias e de ser estigmatizadas.
Em nota divulgada nessa quarta-feira (14), a Médicos Sem Fronteiras revela que 19 profissionais denunciados foram demitidos e outros foram advertidos ou suspensos temporariamente ao fim de apurações internas. Em 2017, a organização mantinha mais de 40 mil profissionais remunerados atuando em todo o mundo.
Além de afirmar que está “profundamente preocupada” com a situação, a entidade garante não poupar esforços para combater os abusos, buscando sempre aprimorar os mecanismos e procedimentos de prevenção e investigação das denúncias, o que inclui o contínuo aperfeiçoamento dos canais de reclamações e o apoio às vítimas e denunciantes.
“A integridade da nossa organização é sustentada pela boa conduta de cada membro da equipe individual, em qualquer local, com total respeito pelas comunidades que servimos”, afirma a organização, cujos princípios fundadores prevem que todos seus profissionais devem respeitar os ideais humanitários.
“Para nós, isso significa não tolerar qualquer comportamento que explore a vulnerabilidade de outros ou que, se aproveitando de sua posição, vise a ganhos pessoais”.
Oxfam
A revelação da Médicos Sem Fronteiras ocorre em um momento em que outra organização não governamental de atuação humanitária global, a Oxfam, é alvo de acusações de que dirigentes locais e colaboradores pagavam para ter relações sexuais com mulheres no Haiti, no Chad e no Sudão do Sul.
No Haiti, onde a prostituição é proibida, os casos teriam ocorrido logo após o terremoto que devastou o país, em 2011.
Os escândalos sexuais motivaram a diretora adjunta da Oxfam, Penny Lawrence, a pedir demissão do cargo, lamentando os ocorridos. “Me envergonho de que isso tenha ocorrido sob o meu mandato e assumo toda a responsabilidade”, lamentou Penny Lawrence em nota divulgada pela Oxfam.
“Sinto profundamente o dano e a angústia gerada naqueles que nos apoiam, em todos os setores e, sobretudo, nas pessoas em situação de vulnerabilidade que confiaram em nossa organização.”
A Oxfam Brasil também se manifestou sobre os casos, afirmando que os abusos sexuais “são revoltantes e inadmissíveis”. Segundo a instituição, uma comissão independente investigará os casos relatados e os processos de recrutamento estão passando por uma revisão.
“Não pode haver espaço na Oxfam para quem abusa da posição de poder e da confiança de milhares de pessoas”, disse a instituição em nota.