País é o terceiro do mundo em casos de coronavírus, mas apenas o 18º em taxa de mortalidade. Críticos acusam autoridades de maquiar dados, e médicos mantêm as próprias estatísticas de mortes de profissionais da saúde.
Na sala de estar de Anna Klotschkowa há uma foto de sua mãe, Galina Olejnik. Quando a viu adoecer com covid-19, teve que implorar aos médicos que a levassem para uma clínica. Galina morreu em um hospital na região de Yaroslavl, a nordeste de Moscou, no dia 21 de maio. Era recepcionista em um centro de saúde. Foi provavelmente ali que se deu a infecção. Não havia equipamentos de proteção no trabalho. “Eu mesma costurei as máscaras de quatro camadas com elásticos para a minha mãe”, conta Anna.
Na Rússia, a confirmação de morte por coronavírus deve ser feita por um patologista. Foi realizada, portanto, uma autópsia em Galina. Anna mostra a certidão de óbito que aponta a covid-19 como uma das causas da morte. “No dia em que minha mãe morreu, foi registrada oficialmente apenas uma morte por coronavírus aqui, de um homem. Minha mãe não está nas estatísticas”, afirma.
A morte do homem foi confirmada pelo governador da região de Yaroslavl, Dmitry Mironov, em sua página no Facebook. Mas os números sobre o coronavírus na região não mudaram durante uma semana inteira. A DW pediu esclarecimentos no departamento de saúde da região. Nenhuma resposta foi recebida.
Segundo a Universidade Johns Hopkins, a Rússia tinha até esta sexta-feira mais de 560 mil casos confirmados e 7.831 mortes em decorrência da covid-19. É o terceiro país em número de infecções, mas apenas o 18º em taxa de mortalidade pela doença. Em números absolutos, a Rússia é o 13º país com mais mortes. As cifras há tempos levantam suspeitas.
Em maio, os jornais New York Times e Financial Times já questionaram os números russos e apontaram que 70% das mortes por covid-19 em Moscou e São Petersburgo não haviam sido incluídas nas estatísticas oficiais. As autoridades russas, no entanto, afirmam que os números oficiais estão corretos.
Procurado pela DW, o Ministério da Saúde disse que o método de contagem é baseado nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas o diretor do programa de emergências sanitárias da OMS, Michael Ryan, já afirmou que as estatísticas russas sobre mortalidade por coronavírus são “difíceis de entender” e que a discrepância entre o número de pessoas que adoeceram e as que morreram é “incomum”.
Em resposta, a representante da OMS na Rússia, Melita Vujnovic, disse ao canal russo Business FM que Ryan não é um estatístico e não tem experiência neste campo. Ele teria, segundo ela, apenas expressado sua própria opinião. “Por parte da OMS, não há objeções à Rússia em nenhum caso”, apontou Vujnovic.
No entanto, os dados da covid-19 na Rússia levantam claros questionamentos. Por exemplo, existem duas listas na região de Arkhangelsk (norte). Artjom Wachruschew, chefe adjunto do governo regional, confirmou à DW que existem estatísticas separadas para a cidade de Severodvinsk.
“Uma parte da população é atendida pela Agência Federal de Medicina e Biologia (FMBA). São, em sua maioria, funcionários de empresas de defesa. A FMBA mantém um registro separado para os pacientes comuns, e estes não estão incluídos nas estatísticas da região de Arkhangelsk divulgadas na internet”, diz Vakhrushev. O Ministério da Saúde não informou à DW onde estão incluídos os dados coletados pela FMBA.
Boris Ovchinnikov, da agência de pesquisa russa Data Insight, também tem dúvidas sobre os números oficiais. Ele analisou os dados sobre o aumento do número de pessoas infectadas com coronavírus na Rússia entre 30 de abril e 24 de maio e descobriu que durante esse período os números terminaram com os dígitos 99 quatro vezes: em 30 de abril, 7.099; em 8 de maio, 10.699; no dia 12, 10.899; e em 24 de maio, 8.599.
“A probabilidade estatística de que os números nessa janela de tempo terminem em 99 quatro vezes seguidas é baixa”, diz Ovchinnikov à DW. “Aparentemente, as autoridades queriam dar um número redondo. Mas elas sabem que as pessoas provavelmente achariam isso suspeito. Antes de publicarem os números, eles os mudaram para 99”, complementa Ovchinnikov.
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