Há 80 anos, os EUA viveram horas de pânico com a primeira fake news de que se há registro. Durante a transmissão de rádio da CBS, o ator Orson Welles interrompeu a programação para dar uma notícia de última hora: os marcianos estavam invadindo Nova Jersey. A notícia aterrorizou os ouvintes, que acreditaram que a Terra estava sob ataque de alienígenas hostis.
De acordo com o relato do locutor, tinham ocorrido explosões inusitadas em Marte e, como consequência, nuvens de gás se dirigiam para a Terra. A música voltou à emissão, até que foi novamente interrompida por outra notícia igualmente assustadora: tinha sido avistado um objeto estranho num campo do estado norte-americano de Nova Jersey.
No entanto, as notícias eram falsas. O brilhante desempenho de Welles era, na verdade, a interpretação de uma versão de radioteatro do romance “A Guerra dos Mundos” (1898), de H. G. Wells, que narrava a invasão de extraterrestres ao nosso planeta.
A interpretação fazia parte de uma série semanal de transmissões dramáticas criadas em parceria com o Mercury Theatre on the Air para a emissora CBS, segundo a transcrição do próprio programa.
Para a produção desse episódio, Welles recorreu de forma genial a todos os recursos radiofônicos da época, interrompendo o programa musical com blocos de notícias de “última hora”. Além disso, o ator entrevistou ainda supostos especialistas e testemunhas oculares que foram dar “credibilidade” à história.
Como nota a Deutsche Welle, a peça dava conta aos ouvintes que, apesar do perigo, era possível deter os invasores alienígenas, que iam incendiando exércitos completos e lançando gás tóxico na cidade de Nova York. O programa acabou desencadeando o pânico nas ruas da cidade.
Apesar de o programa ter conotações claramente teatrais, muitos dos norte-americanos sintonizados acreditaram que a ameaça alienígena era real, e as manchetes dos jornais no dia seguinte comprovaram isso mesmo – o pânico generalizado.
“Milhares de ouvintes saíram correndo das suas casas em Nova York e Nova Jersey, muitos dos quais com toalhas no rosto para se protegerem do ‘gás’ que o invasor estaria espalhando”, escreveu o Daily News no dia seguinte, citado pelo Live Science.
A intemporalidade das fake news
O objetivo de Welles não passava por assustar seus ouvintes, mas diverti-los. No entanto, é importante frisar que, na época, os norte-americanos viviam sob o medo real que uma guerra atravessasse o país.
Na época, em 1938, os norte-americanos iam recebendo informações terríveis sobre a Alemanha nazista, enquanto os britânicos já testavam máscaras de gás, caso fossem assolados por um ataque bélico. O EUA estavam envolvidos em uma onda de medo.
Enquanto a peça teatral era transmitida, muitos norte-americanos ligaram para a polícia, relatando nuvens de fumaça no horizonte, supostamente fruto das batalhas que as pessoas travaram com os marcianos. Alguns habitantes foram ainda mais longe, afirmando ter visto alienígenas. Outros, por sua vez, estavam convencidos que os invasores fossem alemães – o pânico estava instalado.
Como frisou a revista Slate, no 75º aniversário do programa de Orson Welles, as verdadeiras fake news só foram difundidas no dia seguinte através de canais de comunicação que descreveram histórias de pânico e histeria em massa nas ruas.
Na época, jornais como o New York Times ou o Boston Daily Globe aproveitaram o momento para descredibilizar os outros veículos, rotulando-os como fonte pouco fidedigna e pouco responsável. Atualmente, acredita-se que essas notícias tenham sido claras e extremamente exageradas, não sendo possível falar em histeria nas ruas.
Curioso é que o pânico gerado pela adaptação da “Guerra dos Mundos” continua bem atual. E, também na época, a peça de Welles desencadeou discussão, até Adolf Hitler abordou o assunto, gracejando com “homenzinhos verdes que invadiam países”.
Apesar de o diretor da emissora explicar, em 1938, que o objetivo da transmissão passava apenas pelo entretenimento, em 1955, e em entrevista à BBC, apresentou outras motivações: “Quando fizemos o programa dos marcianos, estávamos cansados de que tudo o que vinha dessa caixinha mágica, a da rádio, fosse simplesmente engolido”.
Assim, sustentou, a encenação foi, de certa forma, um ataque à credibilidade da rádio. “Nós queríamos fazer com que as pessoas entendessem que não podiam aceitar tudo o que saísse dos alto-falantes”, explicou.
Tudo isso aconteceu há 80 anos, numa pacata noite de domingo, em 30 de outubro, na véspera do Halloween. No entanto, o assunto não podia ser mais atual. As fake news assombram atualmente, mais do que nunca, a imprensa, afetando leitores, ouvintes e telespectadores.
É ainda de salientar que todo o pânico foi gerado em uma época onde não existiam redes sociais – que certamente teriam aguçado toda a polêmica. Atualmente, as fake news não são menos recorrentes, mas seu propósito é outro – passamos do entretenimento às campanha eleitorais e às influências nas urnas. É incontestável: as fake news são transversais ao próprio tempo.
Ciberia // Deutsche Welle / ZAP