Embora o mecanismo ainda seja um mistério para a ciência, a fome parece mesmo ser capaz de causar uma transformação no temperamento das pessoas.
Jennifer MacCormack, pesquisadora em psicologia e neurociência da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, admite que o mecanismo ainda não está claro, mas a fome afeta mesmo as emoções e os processos emocionais das pessoas.
Para tentar descobrir, a cientista realizou algumas experiências pensadas em detalhes para irritar propositadamente pessoas famintas.
Na primeira experiência, MacCormack reuniu 118 estudantes universitários que estavam em jejum há cinco horas ou mais e 118 outros estudantes que comeram antes de irem para o laboratório onde a experiência foi realizada. Nenhum dos participantes sabia que a pesquisa era sobre as consequências de nos sentirmos famintos.
Em um primeiro momento, metade das pessoas de cada grupo teve que escrever uma redação sobre emoções, uma forma de fazê-las refletir sobre como se sentiam.
Em seguida, a pesquisadora pediu a todos os participantes para fazerem um longo e árduo exercício no computador, um exercício que envolvia vários círculos de cores diferentes, “muito brilhantes e desconfortáveis de se olhar”, explicou MacCormack.
Quando cada participante estava prestes a terminar a tarefa, o programa simulava uma falha (propositada). No computador, aparecia uma tela azul e no laboratório entrava um outro pesquisador que culpava cada participante pelo sucedido.
Nenhum dos participantes explodiu à frente do cientista que os culpou, mas algumas pessoas pareciam muito nervosas e chateadas. “Várias reviraram os olhos e cruzaram os braços”, descreveu MacCormack.
Todos os alunos ficaram um pouco chateados com a experiência, mas os famintos que não tinham escrito a redação sobre suas emoções foram os que ficaram especialmente irritados. “Esses alunos consideraram o pesquisador mais crítico em relação ao resto dos participantes, e disseram sentir mais ódio do que as outras pessoas”, afirmou.
Em uma segunda experiência, os participantes observaram fotografias positivas, negativas e neutras, como um gatinho fofo, um cão raivoso ou uma pedra.
Quando as pessoas olharam para as fotos positivas ou neutras, não houve nenhuma alteração emocional forte, independente de estarem com fome ou não. Contudo, quando os participantes famintos viram as imagens negativas, reagiram muito mais fortemente do que aqueles que tinham comido antes da experiência.
Elizabeth Davis, psicóloga da Universidade da Califórnia, que não participou das experiências, diz que os resultados sugerem que a fome não é suficiente para fazer alguém se irritar. “O contexto é que importa”, garante.
Pessoas famintas precisam estar perante uma situação negativa ou sujeitas a estímulos negativos para entrarem em um estado de irritação anormal.
Além disso, as experiências mostraram ainda que as pessoas são menos propensas a se irritarem se estiverem cientes das suas próprias emoções. Davis explica que a fome, por si só, já nos deixa um pouco aborrecidos, mas nem sempre percebemos de que o nosso humor está mudando.
Se algo desagradável acontecer nesse intervalo de tempo, os sentimentos negativos resultam em uma reação exagerada, sugere a psicóloga.
E MacCormack concorda. A pesquisadora sustenta que, se uma pessoa está ciente de que está se sentindo um pouco estressada porque está com fome, é mais fácil separar esses sentimentos. No entanto, o ideal é apenas corrigir a origem do problema: comer.
Os resultados foram publicados esta segunda-feira na revista científica Emotion.
Ciberia // HypeScience / ZAP