“É mais ou menos equiparar sorveteiro com esquimó, porque os dois mexem com gelo.” Com essa analogia, o ex-procurador-geral da República e atual subprocurador, Rodrigo Janot, classificou, na manhã desta quarta-feira (8) o teor de um e-mail de um de seus então assessores, o ex-procurador da República, Marcelo Miller, para executivos e advogados da JBS.
O material foi divulgado na edição desta quarta-feira do jornal Folha de S.Paulo. Segundo a publicação, Miller teria encaminhado um “roteiro” com orientações sobre como Joesley Batista e os demais delatores deveriam se portar para fechar o acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República.
Dois dias antes do envio da mensagem, o empresário havia gravado uma conversa com o presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu. O áudio foi utilizado como prova pela Procuradoria.
“O nexo de causalidade, nunca vi um negócio tão ridículo em toda minha vida. O e-mail de um cara (Miller) vai para o outro (Joesley) e já tiram a conclusão de que eu combinei com eles antes. Onde está isso? O e-mail mostra o contrário, ele instruía a eles como se contrapor a nós. Ou seja, nós não tínhamos nenhum vínculo com essas pessoas”, defendeu-se Janot, durante palestra no 2º Congresso Nacional dos Auditores de Controle Externo (Conacon), realizado no Tribunal de Contas de Mato Grosso, em Cuiabá.
De acordo com Janot, a Procuradoria-Geral da República não tinha conhecimento sobre o e-mail encaminhado pelo ex-procurador.
Nas palavras dele, o vazamento do conteúdo nesse momento faz parte de uma “clara orquestração” para incriminá-lo. No mesmo contexto, estaria a aprovação do depoimento de Eduardo Pelella, ex-chefe de gabinete de Janot, para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da JBS, que acontecerá no fim do mês.
“O fato do presidente da República ter praticado mais de um crime, no exercício da Presidência da República, não é notícia. A notícia é que um dos braços direitos do procurador instruiu a JBS a se comportar desta ou daquela maneira. Essa é a coerência de se considerar como tais, sorveteiros e esquimós. É assim que eu vejo”, disse Janot.
Ele foi convidado a dar a palestra no Tribunal de Contas mato-grossense depois de, em setembro, cinco conselheiros da corte terem sido afastados de suas funções após denúncia do então procurador-geral da República.
Janot aproveitou a ocasião para defender seu legado. Rechaçou a tese de que os acordos de colaboração tenham sido impulsionados pelo desespero de réus presos – tramita no Congresso um projeto de lei que pretende proibir detentos de entrar esse tipo de negociação.
“Das 120 colaborações premiadas, posso afiançar que mais de 80% delas foram feitas com pessoas livres, que não sofriam nenhuma restrição à sua liberdade”, afirmou.
Ele criticou a morosidade dos julgamentos, em geral. E culpou a existência do foro privilegiado pela demora para as denúncias tramitarem.
Janot comparou o trabalho feito pela Força-Tarefa da operação Lava Jato a “uma revolução sem sangue”.
“A revolução sem sangue é aquela em que você usa as instituições dentro das suas próprias missões para mudar o caminho civilizatório do nosso país. Então, o que eu posso dizer é uma mensagem de otimismo, o que eu posso dizer é que cada um de nós tem que fazer o seu papel. O combate à corrupção estruturada e sistêmica não depende de um sujeito que abra a camisa e diz: ‘Eu sou o Superman’. Isso não existe”, afirmou o ex-procurador-geral.
“O Brasil de hoje é um Brasil muito diferente de dez anos atrás. Há dez, 15 anos atrás, todo mundo dizia: a Justiça brasileira é a Justiça dos ‘3 Ps’. Quem é mais velhinho aqui vai lembrar disso. É pobre, preto e prostituta. Era isso“, concluiu.
Ciberia // BBC