Após uma semana de chuvas intensas, autoridades japonesas ainda contabilizam o número de mortos, e as equipes de resgate buscam mais de 60 pessoas levadas pela enxurrada de água e lama que atingiu 15 Províncias da região oeste do Japão.
Até esta quinta-feira (12), o total de vítimas mortas estava quase em 200. Edualdo Ogata, de 53 anos, não entra nessa contagem, embora sua morte tenha sido indiretamente decorrente da calamidade.
O paulista residente no bairro de Aki, em Hiroshima, teve um infarto possivelmente na madrugada do dia 7, enquanto a esposa e os dois filhos tentavam retornar de carro à residência, driblando ruas alagadas e estradas desmoronadas.
Marcela Tiemi Campos Saimi, de 36 anos, só conseguiu rever o marido dois dias depois, já como viúva. “Está difícil, não sei como estou suportando tanta dor”, desabafa.
Uma combinação de fatores fez com que o drama familiar tivesse esse desfecho. Marcela costumava chegar do trabalho sempre por volta das 18h e o marido, às 21h. Mas, no dia 6, uma sexta-feira, tudo foi diferente.
Uma faixa extensa do Japão tinha sido atingida por chuva recorde que fez montanhas cederem e rios transbordarem. Em quatro dias, ocorreram mais de 440 deslizamentos de terra no sudoeste do país.
O governo ainda não sabe a dimensão dos danos, mas estima que, só no setor agropesqueiro, o prejuízo alcance US$ 98 milhões (R$ 381,6 milhões).
Até a quinta-feira, foram contabilizadas 14 mil casas destruídas só em Okayama, uma das cidades mais atingidas junto com Hiroshima, e havia ainda 5,5 mil pessoas vivendo em abrigos em todo o país.
O último telefonema
Parte da tragédia já vinha sendo anunciada desde cedo. Alto-falantes instalados em praças públicas alertavam para a chuva torrencial e deslizamentos, e avisos semelhantes eram recorrentes na TV.
No dia, quem tinha ido trabalhar usando transporte público foi dispensado mais cedo, enquanto funcionários que utilizam carro cumpriram o expediente.
Esse cenário dificultou o rápido retorno de Marcela à sua casa. O trajeto, que ela costumava percorrer em uma hora, levou mais de sete.
Já era meia-noite quando a brasileira passou por uma loja de conveniência para se abastecer de salgadinhos, pensando em assistir ao jogo da Copa entre Brasil e Bélgica algumas horas depois.
Estava com os dois filhos no carro – o caçula, de 9 anos, em estado febril. Tentou se apressar, porém, se deparou com barreiras nas ruas próximas ao apartamento onde mora. O rio Seno havia transbordado.
Marcela conversou com o marido por celular e ambos concordaram que seria melhor levar as crianças de volta à casa da irmã de Marcela, que fica nas proximidades. O telefonema à 1h49 foi o último entre eles.
“Não posso chorar”
Com o filho cada vez mais debilitado, Marcela precisou chamar a ambulância e por várias vezes tentou, em vão, falar com o marido sobre isso por telefone.
“Nove anos atrás, ele passou por uma cirurgia por obstrução da veia e tomava remédio para o coração uma vez ao dia. Por esse histórico, tive medo, mas procurei não pensar em nada, tinha de correr com o menino para o hospital“, diz Marcela. Seu filho estava com apendicite e acabou passando por uma cirurgia.
Incomodada com o silêncio do marido, Marcela pediu a amigos da filha de 16 anos para irem ao apartamento. Eles encontraram a porta destrancada, as luzes acesas, o ar-condicionado ligado e o corpo de Edualdo inerte. E assim ficou por dois dias, sozinho, até a chegada da equipe médica para a autópsia.
“Deixei meu filho no hospital e fui ao apartamento com minha menina ver o corpo. Tive de buscar forças não sei onde para tentar acalmá-la. Eu não posso chorar. Tenho que ser forte, mas não está dando”. Segundo Marcela, os filhos eram muito apegados ao pai.
O corpo foi velado e cremado na terça-feira (10). As cinzas devem ser levadas para o Brasil, onde a mãe de Eduardo aguarda há 35 anos a volta do filho. Desde que se mudou para o Japão trabalhar em fábricas, como fizeram milhares de brasileiros, ele nunca tinha retornado à terra natal.
A preocupação continua
No Japão, Edualdo conheceu Marcela 17 anos atrás e formou uma nova família.
“A ficha ainda não caiu. Muita gente aqui tem outras preocupações. Minha casa tem água, mas, em alguns lugares, a torneira continua seca. E nós precisamos buscar comida longe. Se antes comprava em um mercado a dez minutos de casa, agora levo uma hora e meia para me abastecer”, diz Marcela.
As nuvens densas desapareceram dos céus, mas as preocupações continuam. Na província de Hiroshima, um reservatório pode ceder e elevar o nível dos rios.
O solo amolecido em parte de montanhas também aumenta o risco de novos deslizamentos, e além de barro, árvores poderiam bloquear rios e piorar a situação.
A Agência de Meteorologia tem reforçado alertas contra insolação devido às altas temperaturas, sempre acima dos 30 graus em grande parte do Japão.
Enquanto 75 mil homens continuam trabalhando sob sol escaldante na busca por desaparecidos, outro batalhão de voluntários está se formando para ajudar na limpeza e arrumação das casas.
Ciberia // BBC