Com clubes afetados pela crise provocada pela pandemia do coronavírus, as federações estaduais debatem o início das competições. Segundo o ex-médico da Seleção Brasileira, José Luiz Junco, não há forma segura para retomar as atividades.
É inegável a paixão do brasileiro pelo futebol. Por isso, não é de se admirar que o tema relacionado ao retorno das competições regionais e do Brasileirão tem ocupado as manchetes durante as semanas em que os estados iniciam a flexibilização das medidas de isolamento social.
A notícia de retomada das atividades esportivas, sem o público, na Inglaterra, Espanha e Itália, atiçaram os ânimos dos clubes nacionais, com alguns autorizando os treinos, e as federações estaduais realizam consultas e reuniões para aprovar protocolos e estabelecer possíveis datas para os jogos.
Esta semana, o governo de São Paulo autorizou a volta dos treinos, sem uma data definida, no entanto, para o retorno do Paulistão. No Rio de Janeiro, entretanto, o prefeito Marcelo Crivella confirmou que a segunda fase do programa de flexibilização das medidas de contenção, que prevê o retorno das competições esportivas, começa nesta quarta-feira.
A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) reuniu o Conselho Arbitral desde o início da semana para confirmar as datas e acertar os últimos detalhes com o governo para soar o apito. Se tudo correr como planejado pela entidade, já na quinta-feira (18), Flamengo e Bangú se enfrentarão no Maracanã, de portões fechados.
O retorno dos jogos, no entanto, recebeu muitas críticas da comunidade médica e até de alguns clubes. Botafogo e Fluminense, por exemplo, se posicionaram contra o reinício do Campeonato Carioca, foram voto vencido na FERJ, e pretendem recorrer à justiça.
“Seguimos achando precipitado o retorno do futebol porque entendemos que não é momento. A pandemia persiste. A maioria dos clubes do Rio de Janeiro quer voltar. Sendo assim, cedemos, mas desde que o Fluminense tenha um tempo justo de treino e que a prefeitura e o governo do estado autorizem a volta de forma oficial. Entendemos que nesse caso podemos avaliar um retorno. Como as datas marcadas (22 e 24) para o retorno dos nossos jogos são inaceitáveis, do ponto de vista da saúde de nossos atletas, não vamos a campo e vamos buscar as medidas na justiça desportiva para fazer valer o que é certo, já que se trata de um estado de calamidade pública”, declarou o presidente do Fluminense, Mário Bittencourt, através da assessoria do clube, procurada pela Sputnik Brasil.
Segundo o ex-médico da Seleção Brasileira e do Flamengo, Dr. José Luiz Runco, os clubes enfrentam uma situação atípica em meio à pandemia, e não há uma forma segura para o retorno dos jogos. Ele citou um recente trabalho norte-americano, segundo o qual não há garantias de imunidade à COVID-19, mesmo após a recuperação da doença.
“Não há uma forma segura”, disse o médico para Sputnik Brasil. “Não existe uma regra para isso e tem um trabalho da Sociedade Internacional de Cardiologia que atesta que todo atleta com COVID positivo, independente dos sintomas graves ou não, precisa fazer uma avaliação da parte cardíaca. Isso está sendo colocado e o Comitê Olímpico Brasileiro fez um protocolo muito interessante sobre isso”, revelou Runco.
O interlocutor da Sputnik Brasil destacou a complexidade do tema e manifestou a esperança de que as federações tenham responsabilidades para conduzir o processo.
“Acho que tem que ser muito bem pensado esse reinício de atividades, tanto no aspecto de treinamento, quando dos jogos. As oscilações de protocolo foram grandes. Cada hora tinha um protocolo, cada clube fez o seu. No final obteve-se um protocolo que ainda não foi definido pela Confederação Brasileira de Futebol”, acrescentou o entrevistado.
Mesmo com o retorno das competições regionais, José Luiz Runco acredita ser muito cedo pensar em retomada em nível nacional.
“Organizar um campeonato regional é um pouco mais fácil, porque [os jogos ficam restritos] à região. Quanto ao campeonato brasileiro, acho muito complicado, porque isso envolve muita viagem de avião, aeroporto. Em uma cidade X começa [a pandemia], em uma cidade Y deixa de ter. Não vai ser fácil ajustar. Acho que vai precisar de mais tempo”, avaliou o especialista, acrescentando que o próprio formato da competição talvez seja alterado, incluindo, por exemplo, jogos eliminatórios.
Segundo relatos na imprensa, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) vem discutindo protocolos de retomada do futebol no país em meados de agosto. Internamente, a CBF entende que, em dois meses, o pico da pandemia do novo coronavírus já terá passado. Uma das medidas para acomodar o Brasileirão contemplaria a redução no intervalo entre jogos, de 66 para 48 horas, de modo a encerrar o campeonato até dezembro.
“Não concordo com a possibilidade de diminuir o espaço entre os jogos”, disse Runco. “Acredito que os atletas não vão concordar, porque esse foi um ganho que eles tiveram já há alguns anos, de ter um espaço entre um jogo e outro de 66 horas, se não me falha a memória. Não acredito que eles vão abrir mão disso”, atestou o médico.
“Ao mesmo tempo, a gente entende a necessidade das instituições. Elas precisam do seu dinheiro para girar, para poder pagar os seus atletas. Mas a gente fica um pouco preocupado porque não há um domínio sobre aquilo com que estamos lidando. Eu espero que as pessoas tenham feito as coisas com critério […] e que se tenha um resultado positivo”, concluiu o doutor.
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