De todas as leis da física, esta é sem dúvida uma das mais estranhas: cientistas descobriram que as forças que controlam o comportamento do horizonte de eventos de um buraco negro também estão em ação no hélio superfluido, um líquido extraordinário que flui sem atrito. A pesquisa que demonstrou a descoberta foi publicada na Nature Physics.
Agora, esta lei da área de entrelaçamento foi observada tanto na vasta escala dos buracos negros como na escala atômica do hélio frio e poderia ser a chave para finalmente estabelecer a tão procurada teoria quântica da gravidade – a solução para um dos problemas mais profundos em física teórica hoje.
Para o físico Adrian Del Maestro, da Universidade de Vermont, um dos membros da equipe responsável pelo estudo, é “estranho” que uma lei da área de entrelaçamento possa ser aplicada a buracos negros e hélio. “Isso aponta para uma compreensão mais profunda da realidade”, diz.
Buracos negros são esquisitos
Os buracos negros são bastante estranhos por conta própria, mas sua relação com a entropia – a desordem do Universo – é algo que interessa particularmente ao renomado físico Stephen Hawking. Entropia é como descrevemos a progressão de um sistema da ordem a desordem.
Por exemplo, um ovo intacto tem entropia baixa, mas um ovo batido tem alta entropia. E assim como você não pode “desbater” um ovo, um sistema só pode progredir da entropia baixa para a alta – em nosso Universo, pelo menos.
Graças à entropia, a seta do tempo só avança e, desde o momento do Big Bang, o Universo e tudo nele se move gradualmente para o caos intensificado.
Na década de 1970, Hawking e o físico teórico Jacob Bekenstein descobriram que quando a matéria é azarada o suficiente para vagar muito perto do horizonte de eventos de um buraco negro e cair nele, a informação que é então adicionada ao buraco negro – uma forma de entropia – aumenta na mesma velocidade que a área de superfície do buraco negro cresce.
Isso é muito estranho, porque o volume crescente do buraco negro não parece ser um fator. “Se você duplicar o tamanho de uma caixa, espera ser capaz de duplicar a quantidade de informações nessa caixa”, explica o físico Christopher Herdman, da Universidade de Waterloo, no Canadá, pesquisador principal do projeto, em entrevista ao site Science News.
Para visualizar melhor o problema, basta pensar num armário de arquivos. Não faria qualquer sentido usar apenas suas medidas de superfície para descobrir quantos arquivos você poderia colocar dentro de um armário sem levar em consideração o seu volume.
Mas é isso que Hawking e Bekenstein descobriram que acontece com os buracos negros no espaço e agora parece que esta lei contra-intuitiva também se aplica a tipos especiais de átomos em nossos laboratórios.
“Descobrimos que o mesmo tipo de lei é obedecida na informação quântica do hélio superfluido”, afirmou Del Maestro em uma declaração à imprensa.
Para descobrir isso, a equipe desenvolveu uma simulação exata de hélio-4 superfluido (hélio superfluido que foi resfriado a apenas 2 graus acima do zero absoluto). O zero absoluto (0 Kelvin, -273,15 °C ou -459,67 °F) é o limite absoluto do frio no Universo.
Neste ponto, o hélio deixa de ser um gás e vira um fluido com viscosidade zero, o que lhe permite fluir sem qualquer perda de energia cinética.
Isso significa que se você colocar hélio superfluido em um copo e dar uma girada no recipiente, o hélio literalmente giraria para sempre. Este estado da matéria é tão estranho que tem a capacidade de fluir para cima contra a gravidade e subir e contornar as laterais de um prato.
Simulações em computadores
No hélio superfluido, os átomos individuais que compõem a substância não podem mais ser identificados como entidades separadas – tornam-se entrelaçados quanticamente uns com os outros e compartilham da existência.
Quando Del Maestro e seus colegas enviaram sua simulação para dois supercomputadores, eles conseguiram executar simulações separadas de 64 átomos de hélio à medida que eles atingiam o estado de superfluido.
Dentro deste superfluido, eles estabeleceram duas seções hipotéticas – uma esfera de superfluido e o superfluido que a cercava – e mantiveram o controle da quantidade de informações quânticas entrelaçadas compartilhadas entre elas à medida que a esfera foi ampliada.
Se lembrarmos dos buracos negros, essa informação quântica entrelaçada é análoga à informação que cai do horizonte de eventos, aumentando a entropia interior.
E, assim como Hawking e Bekenstein descobriram, os pesquisadores observaram à medida que a quantidade de informações quânticas entrelaçadas compartilhadas entre as duas regiões do superfluido era determinada pela área superficial da esfera, mas não pelo seu volume.
“Como um hológrafo, parece que um volume tridimensional de espaço é totalmente codificado em sua superfície bidimensional, assim como um buraco negro”, descreve a equipe.
Segundo Emily Conover, da Science News, ainda que o fenômeno já tivesse sido previsto em superfluidos, esta é a primeira vez que ele foi demonstrado em simulações de um estado natural da matéria.
Entrelaçamento quântico
Isso é importante porque o fenômeno do entrelaçamento ou emaranhamento quântico, como também é conhecido, não se integra ao modelo padrão da física – e deixou o próprio Einstein profundamente desconfortável –, mas está aqui para ficar e precisamos de melhores maneiras de estudá-lo.
“O entrelaçamento é uma informação não clássica compartilhada entre partes de um estado quântico. [É] o traço característico da mecânica quântica que é mais estranho à nossa realidade clássica”, explica Del Maestro em uma declaração à imprensa. “Nossa teoria clássica da gravidade depende de sabermos exatamente a forma ou geometria do espaço-tempo”.
Mesmo sendo duas teorias que explicam o comportamento de todas as coisas enormes e minúsculas em nosso Universo, a teoria da relatividade de Einstein e a mecânica quântica não se mesclam e um dos problemas mais significativos na física moderna é encontrar uma maneira de combinar as duas em uma teoria quântica da gravidade universal.
Por isso a nova descoberta é tão importante: talvez finalmente conseguindo assistir a estranheza do entrelaçamento quântico em um estado natural da matéria nos aproxime desse objetivo.
// HypeScience