Método baseado em imagens de satélite se mostra eficaz no mapeamento de áreas agrícolas

Marcos Adami / Inpe

Contraste entre vegetação e lavoura em área de fronteira agrícola no Cerrado

Modelo criado no Inpe usa dados da missão Sentinel-2 – par de satélites lançado pela Agência Espacial Europeia para o monitoramento da vegetação, solos e áreas costeiras. Resultados da pesquisa podem subsidiar políticas agroambientais

Usadas frequentemente em estudos relacionados à detecção de desmatamento e queimadas, imagens de satélite da missão Sentinel-2 têm se mostrado eficazes em análises com enfoque no avanço da fronteira agrícola, um dos fatores de mudanças abruptas no uso da terra. Pesquisa publicada recentemente por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) obteve precisão de até 96% na utilização do sistema para mapear culturas agrícolas no Cerrado.

Segundo maior bioma da América do Sul, o Cerrado registrou mensalmente neste ano recordes de desmatamento, pressionado principalmente pelo Matopiba – fronteira agrícola que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, onde há aumento da abertura de áreas de vegetação nativa para conversão em pasto e plantio de grãos. O bioma é o que tem a menor porcentagem de áreas protegidas integralmente e regras ambientais estaduais mais flexíveis. Nesse sentido, a obtenção de informações precisas sobre o uso e cobertura da terra é essencial para monitorar mudanças e subsidiar políticas agroambientais.

Com base em conjuntos de índices espectrais e na arquitetura de cubos de dados montada pelo Brazil Data Cube – projeto do Inpe que produz dados prontos para uso a partir de grandes volumes de imagens de sensoriamento remoto –, os pesquisadores mapearam o cinturão agrícola do Cerrado, localizado no oeste da Bahia.

Entre as culturas mais plantadas na região estão milho, algodão e, principalmente, soja, além do cultivo de café, essencialmente irrigado. A vegetação natural é composta por matas (ciliares, secas, de galeria e “cerradão”), savanas (Cerrado stricto sensu, palmeiral e vereda), campos e pastagens. Com paisagem heterogênea e dinâmica, foi necessário incorporar amostras coletadas em campo e calendários de culturas para aumentar a precisão da análise.

“A informação cartográfica de onde estão os variados tipos de vegetação, bem como a indicação de áreas naturais ameaçadas e vetores de expansão agrícola, é essencial para o setor agroambiental brasileiro. Como diz o pesquisador Dalton Valeriano, uma referência para nós, precisamos saber o que é que está onde. Imagens do Sentinel-2/MSI têm resolução temporal de cinco dias e espacial de 10 metros, o que aumenta a possibilidade de monitorar a superfície, incluindo culturas agrícolas e seus ciclos fenológicos, em nível de detalhe mais refinado. Isso amplia a capacidade de análise da sociedade, que passa a conhecer, com mais clareza, as mudanças que ocorrem ao longo dos anos. Para quem trabalha com agricultura é fundamental”, afirma à Agência Fapesp o pesquisador Michel Eustáquio Dantas Chaves.

Atualmente professor assistente na Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Tupã, Chaves assina o artigo “Improving crop mapping in Brazil’s Cerrado from a data cubes-derived Sentinel-2 temporal analysis” juntamente com a pesquisadora Ieda Sanches, que foi sua supervisora no pós-doutorado conduzido na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG-Inpe). Publicado em junho na revista Remote Sensing Applications: Society and Environment, o trabalho recebeu apoio da FAPESP.

A missão Sentinel 2/MultiSpectral Instrument (MSI), da Agência Espacial Europeia (ESA na sigla em inglês), teve início em 2015 e, dois anos depois, contou com dois sensores. As imagens geradas passaram a ser mais utilizadas a partir de 2020, devido ao avanço da computação em nuvem.

“Essas imagens geram volume, exigindo processamentos que podem ser demorados e feitos apenas em computadores mais avançados. Cubos de dados reduzem o tamanho e o tempo das etapas, facilitando o acesso até mesmo de gestores públicos, produtores agrícolas e outros interessados. Fizemos os mapeamentos a partir de uma cadeia de processamento que criamos. Ela envolve desde a inserção de amostras para treinar o algoritmo até a avaliação da classificação e dá suporte ao uso de imagens. Na forma ‘antiga’, precisaríamos baixar dados e gerar informações com softwares específicos. Hoje, é possível acessar cubos de dados e outros arquivos armazenados em catálogos virtuais e fazer processamentos a distância, o que otimiza tempo e recurso e possibilita captar mais detalhes”, completa Chaves.

O pesquisador e Sanches são autores de um outro trabalho, publicado em fevereiro na Automation, que já mostrava a viabilidade da combinação de imagens da missão Sentinel-2/MSI e cubos de dados para melhorar o nível de detalhe de mapeamentos no Cerrado. Com informações da safra 2018-2019, a precisão chegou a 88%.

“A precisão aumentou de 88% para 96% e tende a ir além, mas o foco é que os três artigos que publicamos funcionam como uma coleção na discussão de novas tecnologias para o cenário agroambiental brasileiro. Apresentamos um método, sua funcionalidade e possibilidades de melhoria. Se a produção de alimentos e commodities não estiver alinhada à provisão de serviços ecossistêmicos, perderemos recursos naturais e dinheiro. Não há mais espaço para a dicotomia entre conservar e produzir. O que deve existir é integração e políticas públicas específicas. Se o aprimoramento do nível de detalhe permite reduzir incertezas e melhorar estimativas de área, monitorar desmatamento e rastrear ilegalidades com antecedência, ele é positivo para toda a cadeia produtiva”, avalia Chaves.

O terceiro artigo a que se refere foi publicado pela dupla na revista Land Use Policy, juntamente com o pesquisador do Inpe Marcos Adami, em que eles discutem a necessidade de o Brasil contar com segurança jurídica para o setor agroambiental. Destacam que a crise econômica brasileira vivida recentemente dificulta o combate ao desmatamento ilegal – apenas 1,3% dos alertas de desmate ilegal entre 2019 e 2020 resultaram em processos no país. Por outro lado, citam estratégias que podem ser efetivas e ferramentas que ajudam a monitorar o desmatamento e fortalecer a aplicação da lei.

Segundo o cientista, para resolver este “quebra-cabeça”, é preciso segurança jurídica e fiscalização eficaz, punindo crimes ambientais e estimulando a sociobiodiversidade. “A discussão deve ser diplomática e baseada na ciência, pois ordenamento territorial a partir do capital natural é questão de soberania epistêmica para o Brasil”, escrevem no artigo.

Ritmo acelerado

Com uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados (km2), o equivalente ao território do México, o Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo e também conhecido como “berço de águas” no Brasil por abrigar importantes bacias hidrográficas que abastecem o Sul e o Sudeste.

O desmatamento, no entanto, vem crescendo mês a mês – somente em setembro foram devastados 679,77 km2 no bioma, um aumento de 149% em relação ao mesmo mês do ano passado. Já de agosto de 2022 a julho de 2023, o crescimento foi de 16,5%, alcançando 6.300 km2 destruídos no período. Foi o pior resultado desde o início da medição, entre 2017 e 2018, feita com base no sistema de alertas Deter, do Inpe.

Segundo os pesquisadores, o ritmo acelerado da devastação associado aos impactos das mudanças climáticas, além de elevar as emissões de gases de efeito de estufa, resultam em perda de hábitat para várias espécies, em escassez de água potável e mudanças na precipitação, podendo alterar até mesmo a própria produção agrícola.

O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, com estimativa de novo recorde na safra de grãos 2022/2023, anunciada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Os brasileiros devem colher 315,8 milhões de toneladas na safra, o que representa 43,2 milhões de toneladas a mais em comparação com o período anterior (crescimento de 15,8%).

“A possibilidade de rastreamento é vantajosa do ponto de vista ambiental, social e econômico. Com o acordo Mercosul/União Europeia, a tendência é que o Brasil seja exigido a eliminar o desmatamento de sua cadeia produtiva para conseguir exportar. Análises com maior nível de detalhe favorecem a construção de políticas públicas e ajudam tomadores de decisão a melhor direcionar os esforços para o planejamento territorial”, conclui Chaves.

// FAPESP

COMPARTILHAR

DEIXE UM COMENTÁRIO:

Como é feito o café descafeinado? A bebida é realmente livre de cafeína?

O café é uma das bebidas mais populares do mundo, e seus altos níveis de cafeína estão entre os principais motivos. É um estimulante natural e muito popular que dá energia. No entanto, algumas pessoas preferem …

“Carros elétricos não são a solução para a transição energética”, diz pesquisador

Peter Norton, autor do livro “Autonorama”, questiona marketing das montadoras e a idealização da tecnologia. Em viagem ao Brasil para o lançamento de seu livro “Autonorama: uma história sobre carros inteligentes, ilusões tecnológicas e outras trapaças …

Método baseado em imagens de satélite se mostra eficaz no mapeamento de áreas agrícolas

Modelo criado no Inpe usa dados da missão Sentinel-2 – par de satélites lançado pela Agência Espacial Europeia para o monitoramento da vegetação, solos e áreas costeiras. Resultados da pesquisa podem subsidiar políticas agroambientais Usadas frequentemente …

Como o Brasil ajudou a criar o Estado de Israel

Ao presidir sessão da Assembleia Geral da ONU que culminou no acordo pela partilha da Palestina em dois Estados, Oswaldo Aranha precisou usar experiência política para aprovar resolução. O Brasil teve um importante papel no episódio …

O que são os 'círculos de fadas', formações em zonas áridas que ainda intrigam cientistas

Os membros da tribo himba, da Namíbia, contam há várias gerações que a forte respiração de um dragão deixou marcas sobre a terra. São marcas semicirculares, onde a vegetação nunca mais cresceu. Ficou apenas a terra …

Mosquitos modificados podem reduzir casos de dengue

Mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia podem estar associados a uma queda de 97% nas infecções de dengue em três cidade do vale de Aburra, na Colômbia, segundo o resultado de um estudo realizado pelo …

Chile, passado e presente, ainda deve às vítimas de violações de direitos humanos

50 anos após a ditadura chilena, ainda há questões de direitos humanos pendentes. No último 11 de setembro, durante a véspera do 50° aniversário do golpe de estado contra o presidente socialista Salvador Allende, milhares de …

Astrônomos da NASA revelam caraterísticas curiosas de sistema de exoplanetas

Os dados da missão do telescópio espacial Kepler continuam desvendando mistérios espaciais, com sete exoplanetas de um sistema estelar tendo órbitas diferentes dos que giram em torno do Sol. Cientistas identificaram sete planetas, todos eles suportando …

Em tempos de guerra, como lidar com o luto coletivo

As dores das guerras e de tantas tragédias chegam pelas TV, pelas janelinhas dos celulares, pela conversa do grupo, pelos gritos ou pelo silêncio diante do que é difícil assimilar e traduzir. Complicado de falar …

Pesquisa do Google pode resolver problemas complexos de matemática

O Google anunciou uma série de novidades para melhorar o uso educativo da busca por estudantes e professores. A ferramenta de pesquisa agora tem recursos nativos para resolver problemas mais complexos de matemática e física, inclusive …