Por mais intimidantes que pareçam, os morcegos-vampiros não costumam nos incomodar. Eles só se alimentam do sangue de animais. Ou é o que pensávamos até agora.
Pesquisadores descobriram que morcegos-vampiro de pernas peludas (Diphylla ecaudata) estão se alimentando de seres humanos no nordeste do Brasil, e isso é algo que ninguém pensava ser possível.
“Ficamos bastante surpresos”, disse Enrico Bernard, da Universidade Federal de Pernambuco, ao portal New Scientist. “Esta espécie não é adaptada para se alimentar do sangue de mamíferos”.
Antes que os cientistas fizessem essa descoberta bastante perturbadora, se você tivesse que escolher uma espécie de morcego-vampiro para se preocupar mais, o morcego-vampiro comum (Desmodus rotundus) teria sido a escolha óbvia.
Existem três espécies de morcegos-vampiros, todos nativos das Américas, e o morcego-vampiro comum é o único que prefere o sangue de mamíferos. Animais domesticados, como vacas, cavalos e porcos, são os alvos preferidos desses parasitas noturnos.
Já as espécies morcego-vampiro albino (Diaemus youngi) e morcego-vampiro de pernas peludas (Diphylla ecaudata) se alimentam principalmente de aves, como galinhas domésticas.
O que teoricamente deveria manter os seres humanos a salvo desses chupadores de sangue é o fato de que a acomodação da alimentação de aves para mamíferos é extremamente difícil.
Adaptações morfológicas, fisiológicas e comportamentais extremas são necessárias para que uma espécie mude de presa.
“O sangue de mamíferos e aves difere em composição, principalmente em termos de nutrientes. O sangue de pássaros, por exemplo, tem maior quantidade de água e gordura, enquanto o sangue de mamíferos é rico em matéria seca, principalmente proteínas”, explica Bernard.
Estudos sobre a fisiologia alimentar do morcego-vampiro comum mostraram que esta espécie possui características fisiológicas que permitem maior eficiência no processamento de proteínas.
Por outro lado, espécies com preferência por sangue de pássaros, como D. youngi e D. ecaudata, têm maior capacidade de processar e usar grandes quantidades de gordura encontradas no sangue de suas presas.
Improvável
Experimentos anteriores mostraram que, quando apenas sangue de porco e cabra estava disponível para morcegos acostumados com o sangue de aves, muitos deles optaram por jejuar em vez de diversificar a sua dieta. Em alguns casos, até morreram de fome.
No entanto, quando Bernard e sua equipe investigaram as dietas de uma colônia de morcegos-vampiros de pernas peludas nas florestas secas da Caatinga, no nordeste do Brasil, a análise genética de 15 amostras fecais mostrou DNA de aves – conforme esperado -, enquanto 3 dessas amostras também continham uma mistura de DNA humano e aviário, evidência de que esses indivíduos tinham se alimentado de ambos.
Curiosamente, as presas mais comuns desses morcegos – as aves jacu-verdadeiro, jaó-do-litoral e pomba-asa-branca – têm desaparecido da área devido ao desmatamento e à caça.
As aves domesticadas, como as galinhas, são provavelmente a opção mais tentadora diante das grandes aves selvagens. E, como muitos dos habitantes locais mantêm suas galinhas em contato próximo, os morcegos desesperados podem ter desenvolvido um gosto por humanos também.
Há muitas perguntas em aberto aqui. A principal é como exatamente esta colônia de morcegos é capaz de processar o sangue de seres humanos, quando evoluiu para digerir o sangue rico em gordura de pássaros em vez disso.
Outra questão é se isso poderia representar um sério risco para seus novos alvos humanos.
Daniel Becker, da Universidade da Geórgia, nos EUA, que não esteva envolvido no estudo, disse que essa espécie de morcego já transportou o hantavírus no passado, o que pode ser fatal para seres humanos infectados.
// HypeScience