É na Cidade do Cabo que muitos veem agora o futuro do planeta: dentro de dias, a capital sul-africana enfrentará o “day zero”, quando as reservas se tornarão tão críticas que a água deixará de chegar às torneiras.
Depois de Joanesburgo, a Cidade do Cabo, com quase 4 milhões de habitantes, é a segunda maior área urbana da África do Sul. No entanto, nem isso nem o histórico de forte precipitação no inverno – que já não é sentido há três anos – salvam a cidade da diminuição do nível da água para níveis que podem muito bem se tornar trágicos.
Em uma primeira previsão, os especialistas davam como 21 de abril o dia que marcaria o ponto em que as barragens caem para menos de 13,5% da sua capacidade combinada, ou seja, o “dia zero”.
Agora, os especialistas reviram os números e apontam para 12 de abril, o dia em que a água deixará de correr nas torneiras da capital, segundo o jornal i. O cenário que ali se vive é dantesco, com os turistas sendo recebidos por avisos dramáticos onde se lê “Restam 67 dias de água. Poupe já“.
Se nada mudar, ou seja, se não chover, no dia 12 abril, de acordo com a última previsão, a Cidade do Cabo será o primeiro grande aglomerado urbano do mundo a ficar sem água.
A população leva a cabo grandes esforços para poupar a pouca água que ainda resta (e que já é racionada). Em hotéis, algumas torneiras foram retiradas, de forma a evitar que os hóspedes tomassem banho em banheiras. As piscinas foram tapadas ou, em último caso, passaram a ser cheias com água dessalinizada ou reciclada. Os frigobares já não têm água engarrafada. E os lençóis só são mudados a cada três dias.
Helen Zille, chefe do governo provincial, já emitiu, inclusive, um comunicado proibindo a população de “tomar banho mais de duas vezes por semana. Temos de poupar água como se a nossa vida dependesse disso. Até porque depende”. E foi a própria que confessou, em um vídeo postado na internet, que toma banho apenas de três em três dias.
Em 2014, o governo do Cabo ganhou um prêmio de “implementação de adaptação” da C40, a rede de megacidades comprometidas em lidar com as mudanças climáticas, ganhando um (insuficiente) lugar entre os governos com mais preocupações em matéria de sustentabilidade de recursos.
Nesse ano, as barragens estavam cheias, depois de um ano com muitas chuvas, e a Cidade do Cabo merecia ser recompensada pela gestão da água.
Três anos de seca depois, os responsáveis se veem perante uma situação preocupante, apesar de todo o bem que pareciam ter feito. Só que com as barragens cheias e o prêmio nas mãos, os responsáveis foram menosprezando a necessidade de procurar fontes alternativas de água, além das seis barragens que dependem da chuva.
Segundo o New York Times, já em 2007 o Departamento de Assuntos de Água da África do Sul avisou que a cidade precisava de mais fontes de água subterrâneas, centrais de dessalinização e outros recursos para diversificar as reservas e minimizar os riscos trazidos por períodos de seca prolongados.
2017 foi o ano mais seco de que se há registro na cidade sul-africana.
A única gota de esperança para os habitantes da cidade é deixada por Kevin Winter, do Future Water Institute da Universidade da Cidade do Cabo, no site da universidade, no texto “Cinco sinais de que o Dia Zero pode ser evitado”.
Como o fornecimento de água à agricultura já começou a ser cortado, sendo os 58 milhões de metros cúbicos estabelecidos como limite máximo. Assim, haverá mais água para as populações.
A entrada em vigor em fevereiro de novas tarifas e de multas para quem desperdice água é outro dos fatores que Kevin Winter considera capazes de retardar a descida dos níveis das barragens. A estas duas somam-se os sete projetos em construção para aumentar as fontes de fornecimento: quatro centrais de dessalinização, duas unidades para trazer água de aquíferos e uma de tratamento de afluentes.
Quanto aos outros dois sinais, são mais manifestados como esperança do que marcas capazes de serem interpretadas como verdadeiros indícios de que a situação poderia se inverter e o dia zero não chegar.
Chuva e confiança, escreve Winter. “É ainda muito cedo para prever a precipitação regional do inverno para 2018, mas, como já nos desapontamos tantas vezes, temos tendência a esquecer que ainda chove no Cabo Ocidental“.
Apesar de a pouca chuva de verão poder não ser suficiente para encher as barragens (que podem demorar até três anos para chegar à capacidade máxima), a precipitação poderia empurrar a chegada do dia zero para mais tarde. Até a chegada da época das chuvas.
Quanto à confiança, deve-se ao fato de a situação dramática que a cidade atravessa ter feito com que governantes e cidadãos se empenhassem mais na gestão da água. “Os dias de procrastinação deram lugar a planos e projetos que lidam com a crise a curto prazo e a estratégia a longo prazo, que chega até 2022”, escreve.
Ciberia // ZAP