Se ainda vivesse na Alemanha Oriental, a líder alemã poderia estar hoje realizando o antigo sonho de viajar pelos EUA ouvindo Bruce Springsteen. Em entrevista, ela diz que ainda é preciso aproximar leste e oeste do país.
Em um universo paralelo, no qual o Muro de Berlim não tivesse caído, Angela Merkel poderia estar atualmente viajando pelos EUA num Trabant, em vez de estar vivenciando o crepúsculo de sua chancelaria, disse a própria chefe de governo da Alemanha em entrevista à revista alemã Der Spiegel nesta terça-feira.
Quando questionada sobre o que teria sido dela se a Alemanha tivesse permanecido dividida, a chanceler federal alemã respondeu com humor: “Certamente não teríamos nos conhecido, isso é certo.”
Questionada sobre o que estaria fazendo hoje em dia, Merkel disse que poderia ter realizado seu sonho: “Eu queria que minha primeira longa viagem fosse para os Estados Unidos. Devido ao seu tamanho, sua diversidade e cultura. Ver as Montanhas Rochosas, dirigir por aí e ouvir Bruce Springsteen – esse era o meu sonho”, contou, referindo-se ao cantor americano conhecido por sucessos como Born in the USA.
Depois de reiterar que ela também gostaria de ter explorado a Alemanha, a chanceler federal alemã, de 65 anos e que cresceu na Alemanha Oriental, apontou que estaria aposentada a esta altura e, portanto, teria permissão para deixar a antiga República Democrática Alemã (RDA).
“Na RDA, as mulheres se aposentavam aos 60 anos, assim eu poderia ter pegado meu passaporte cinco anos atrás e viajado para os EUA. Os aposentados tinham a liberdade de viajar na RDA – qualquer pessoa que não fosse mais necessária como trabalhadora socialista podia sair”, disse Merkel à revista Der Spiegel.
Quando os repórteres questionaram se ela teria pegado um carro americano, ela negou. “Não. Eu simpatizo com carros menores. Mas o que poderia ter sido melhor do que um Trabant?”
A entrevista à revista Der Spiegel foi concedida num momento em que a Alemanha reflete sobre os 30 anos da queda do Muro de Berlim, celebrados em 9 de novembro.
Depois de crescer no empobrecido e menos desenvolvido Leste Alemão, Merkel entrou na política apenas com trinta e poucos anos de idade, quando o comunismo desmoronou.
Descontentamento não justifica o ódio
Na entrevista, a chanceler federal alemã alertou que desilusão e descontentamento com o governo alemão não dão às pessoas um “direito ao ódio” – uma referência indireta a recentes sucessos eleitorais da legenda populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
“Eu sei que para alemães orientais de uma certa geração a vida se tornou livre após a revolução pacífica, mas nem sempre mais simples”, afirmou Merkel. “Mesmo assim, 30 anos depois, é preciso deixar claro: mesmo se você não estiver satisfeito com o transporte público, a assistência médica, o modo de agir do Estado em geral ou a sua própria vida, isso não lhe dá o direito ao ódio e ao desprezo pelos outros ou mesmo à violência.”
A AfD recebeu mais de 20% dos votos e terminou como segundo partido mais votado nas recentes eleições estaduais de Saxônia, Brandemburgo e Turíngia, regiões nas quais as pessoas continuam se sentindo em desvantagem mesmo 30 anos após a Reunificação alemã.
A desilusão nos últimos anos com a chanceler federal alemã e seu governo, alimentada principalmente pelo grande afluxo de migrantes em 2015, foi sentida com mais intensidade no Leste Alemão.
Merkel contou à revista Der Spiegel que, como chanceler federal, ela é responsável por todos os alemães. “Portanto, a suposição de que eu deveria cuidar primariamente dos interesses dos alemães orientais é errada, mas, se ela fosse seguida, isso evidentemente levaria a desapontamentos”.
A chanceler federal alemã também enfatizou a necessidade de um melhor “diálogo interno alemão”, entre as antigas Alemanha Oriental e Ocidental.
Os Estados Unidos, o destino sonhado por Merkel, tradicionalmente visto como sinônimo de liberdade e oportunidade, também sofreu uma guinada política para a direita nos últimos anos.
Desde que assumiu o cargo em 2016, o presidente americano Donald Trump defendeu repetidamente a construção de um muro ao longo da fronteira dos EUA com o México, além de impulsionar políticas que visam conter a imigração legal e ilegal.