A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou, nesta segunda-feira, que suspendeu “temporariamente” os ensaios clínicos com hidroxicloroquina que realiza com parceiros em diversos países, por medida de precaução.
A decisão segue a publicação na sexta-feira de um estudo na revista médica The Lancet, que considerou ineficaz ou até prejudicial o uso de cloroquina e seus derivados, como a hidroxicloroquina, contra a Covid-19, informou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, detalhando que a suspensão dos ensaios foi feita no sábado (23).
A OMS iniciou há mais de dois meses ensaios clínicos sobre os efeitos da hidroxicloroquina, nomeando a ação como “Solidariedade”, a fim de encontrar um tratamento eficaz contra a Covid-19. Atualmente, “mais de 400 hospitais em 35 países recrutam ativamente pacientes, e cerca de 3.500 pacientes foram recrutados em 17 países”, explicou a autoridade máxima da OMS.
No entanto, de acordo com este grande estudo publicado na The Lancet, realizado com quase 15.000 pacientes, nem a cloroquina nem seu derivado da hidroxicloroquina são eficazes contra a Covid-19 em pacientes hospitalizados, e essas moléculas aumentam o risco de morte e arritmia cardíaca.
Os testes serão suspensos até que os “dados” coletados pelos testes Solidaridade sejam “analisados”, disse Tedros.
“Esta é uma medida temporária“, informou Soumya Swaminathan, chefe do departamento de ciências da OMS, antes de enfatizar a “incerteza” em torno do uso da hidroxicloroquina – um derivado da cloroquina que tem sido usado há décadas contra a malária e também é prescrita em doenças de origem autoimune, como lúpus e artrite reumatoide.
Após um pequeno estudo chinês pouco detalhado que alegou a eficácia do fosfato de cloroquina no tratamento de pacientes com SARS-CoV2, a cloroquina ganhou destaque. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confessou consumir a medicação para prevenir a Covid-19 e o Ministério da Saúde recomendou seu uso em pacientes contagiados com sintomas leves.
Nesta segunda-feira, o chefe da OMS lembrou que esses medicamentos – hidroxicloroquina e cloroquina – “são geralmente reconhecidos como seguros para pacientes afetados por doenças autoimunes ou malária“.
O professor Christian Funck-Brentano, responsável pelo centro de investigação clínica da Universidade Sorbonne assinou, na The Lancet, um artigo com o objetivo de comentar este estudo pouco favorável a agora polêmica hidroxicloroquina. Em entrevista exclusiva à RFI, ele enfatiza que não se trata de uma enquete, mas de uma análise de registro internacional, baseada em estudos observacionais, e que como todos os estudos desse tipo, estão sujeitos a críticas desde sua publicação.
“O que este estudo assinala, afinal, é que o benefício esperado pela cloroquina ou pela hidroxicloroquina, associadas ou não a algum antibiótico, não é tão evidente, e que seu uso é potencialmente ligado ao risco de aumento da mortalidade. São estatísticas alcançadas a partir de uma enorme base de dados, que apontam uma tendência significativa, a de uma problemática maior do que uma eficácia”, explica Funck-Brentano, que também é chefe de serviço de Farmacologia Médica e diretor do CIC Paris-Leste Pitié-Salpêtrière.
O especialista enfatiza ainda que as acusações de uma manipulação política em relação ao estudo são infundadas e devem ser combatidas.
“É preciso admitir que esta é uma frustração em torno desse estudo, principalmente quando ainda temos tantos pacientes hospitalizados. Mas é importante sobressaltar que esse estudo não é uma mensagem política contra ou a favor do [presidente Donald] Trump. O estudo se preocupa com a veracidade das informações, e estamos frustrados não ter um resultado positivo”, conclui Funck-Brentano.
// RFI