Pesquisa mostra que consumo cultural caiu no Brasil e classes D/E têm menos acesso à arte

Abrangendo categorias sociais como classe, gênero, raça, escolaridade, região e orientação sexual, o estudo revela um panorama sobre a cultura brasileira cujo resultado é a diversidade e a desigualdade no consumo cultural e o perfil de quem transita por esses espaços.

O consumo cultural está em queda nas capitais do Brasil.

É o que diz a pesquisa Cultura nas Capitais, a maior pesquisa quantitativa sobre hábitos culturais já feita no país, lançada no início deste mês. O estudo, realizado pelo grupo de consultoria JLeiva Cultura & Esporte e financiado pela Lei Rouanet, mapeou o consumo da cultura pelos brasileiros nas capitais do país em 14 diferentes atividades culturais.

Em ordem de maior consumo, as categorias mais consumidas pelos brasileiros são livros (62%), jogos eletrônicos (51%), cinema (48%), locais históricos (45%), shows de música (41%), festas populares (36%), museus (27%), bibliotecas (25%), teatro (25%), dança (24%), feiras do livro (21%), circo (14%), saraus (12%) e concertos (8%). Foram ouvidas 19.500 pessoas de todas as 26 capitais brasileiras e Brasília. Os dados foram coletados pelo Instituto Datafolha.

Dentre todas as atividades, a única que não indicou queda entre os anos de 2017 e 2024 foi a dos jogos eletrônicos, que demonstrou crescimento significativo. Segundo o secretário executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares, a pandemia de coronavírus foi um fator determinante na forma como os brasileiros consomem cultura. As consequências do período podem ser observadas nas duas atividades culturais mais consumidas atualmente: livros e jogos eletrônicos, atividades tipicamente caseiras. A não necessidade de deslocamento até espaços culturais também influencia esse quadro.

Abrangendo categorias sociais como classe, gênero, raça, escolaridade, região e orientação sexual, o estudo revela um panorama sobre a cultura brasileira cujo resultado é a diversidade e a desigualdade no consumo cultural e o perfil de quem transita por esses espaços. Além de delinear esse cenário, outro objetivo da pesquisa é servir como fonte de informação para a formulação de políticas públicas, trabalhos acadêmicos e orientação de agentes públicos e privados do setor cultural.

Os resultados do estudo indicam pessoas que foram ou não a pelo menos uma das 14 atividades culturais nos 12 meses anteriores à pesquisa, recorte temporal que reduz a influência de fatores sazonais. É nos marcadores sociais de classe, escolaridade, gênero e raça que melhor se pode observar a diversidade e a desigualdade no consumo de atividades culturais. Essas desigualdades estão relacionadas a uma série de fatores externos às políticas culturais.

Para além das políticas culturais

No marcador social de classe, as classes D/E ficaram significativamente abaixo da média em todas as atividades culturais listadas, cujo consumo aumenta conforme o nível de escolaridade e só ultrapassa a média nos casos em que o ensino declarado é o de nível superior. 68% das pessoas dessa classe, por exemplo, nunca foram a uma feira do livro; 65% nunca estiveram em um teatro e 61% nunca foram em um museu. Já as classes B e A ficaram acima da média, com exceção dos casos em que a escolaridade declarada é o ensino fundamental.

Estudos da área demonstram que classe e escolaridade são determinantes para o acesso cultural, de acordo com o diretor do grupo de consultoria que realizou a pesquisa, João Leiva. Para ele, o impacto desses marcadores sociais comprova que a redução no consumo cultural no Brasil não é um problema de políticas culturais, mas um reflexo de outras desigualdades. “Nosso trabalho mostra que quanto maior a escolaridade, maior o acesso a todas as atividades culturais que pesquisamos. O mesmo ocorre com a renda, mas com menos intensidade: quanto maior a renda, maior o acesso a atividades culturais”, explica.

Fatores como gênero e raça também são determinantes no acesso a essas atividades, segundo os dados da pesquisa. Mulheres pretas das classes D/E com ensino superior possuem índices de consumo cultural superiores aos de mulheres brancas com os mesmos marcadores de classe e escolaridade. O consumo de livros por parte das mulheres negras desse grupo social se deu em 78%, enquanto as mulheres brancas representam 70%. Em relação a visita a locais históricos, as mulheres pretas somaram 86%, enquanto as mulheres brancas do mesmo grupo representam 56%. Esse cenário se inverte quando a escolaridade declarada é o ensino médio. O mesmo se observa com homens pretos das classes D/E com ensino superior em comparação aos homens brancos do mesmo grupo social. Apesar disso, são as mulheres brancas e os homens amarelos quem mais possuem acesso a atividades culturais.

Quando se insere o marcador de orientação sexual, esse cenário se modifica a favor de um maior consumo cultural por parte de mulheres brancas LGBTQIA+ das classes D/E com ensino médio em comparação com mulheres pretas do mesmo grupo, cuja porcentagem de acesso às atividades de shows de música e teatro é de 53% e 33%, respectivamente. As mulheres pretas do mesmo grupo social consumiram 41% e 11%, respectivamente, em relação às mesmas atividades. Já os homens pretos LGBTQIA+ do mesmo grupo consomem mais atividades culturais em comparação com homens brancos com os mesmos marcadores de classe, escolaridade e orientação sexual. O acesso a bibliotecas e feiras do livro foi maior entre homens pretos desse grupo, 50% e 38% respectivamente, enquanto para os homens brancos do mesmo grupo essa porcentagem é de 24% e 19%.

Ainda que o acesso a atividades culturais seja maior entre mulheres brancas, o estudo também revela que são as pessoas pretas que possuem maior interesse no consumo cultural, se destacando também como maior público potencial. Se esse público tivesse acesso às atividades, pretos estariam no mesmo percentual que brancos.

Ainda que as políticas culturais não sejam o fator determinante para esse cenário de desigualdades, sua formulação pode contribuir com a sua redução. João Leiva acredita que um dos problemas desse panorama é “a pouca ou nenhuma atenção ao público dada pelas políticas culturais, que focam quase exclusivamente nos produtores”. “É importante atender as demandas de produção, claro, mas esse não deve ser o único eixo de ação. É importante olhar para a população e entender os fatores que facilitam ou dificultam o seu acesso às atividades culturais e agir a partir das barreiras encontradas”, destaca.

Ele sugere que a transversalidade cultural seja uma prioridade. Parcerias entre as pastas da cultura com as áreas de educação, desenvolvimento urbano, turismo, esporte e saúde podem ser uma alternativa para mitigar esses desníveis. “Quando estamos falando de espaços culturais (museus, teatros, casas de show), isso pode levar algum tempo; mas para as apresentações, para as performances (peças de teatro, shows, exposições, exibições de cinema), é algo que pode ser mais facilmente estimulado pelas políticas culturais”, observa.

A intenção do Ministério da Cultura é de que a pesquisa seja realizada a cada dois anos. Um recorte geográfico que inclua cidades médias está no radar para as próximas edições.

// Nonada

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