O popular astronauta Chris Hadfield diz que a tecnologia que nos levou à lua e nos trouxe de volta na década de 60 poderia nos ter mandado também para Marte.
O canadense Chris Hadfield foi astronauta durante 18 anos de sua vida. De 1995 a 2013, Hadfield voou em dois ônibus espaciais da NASA e em uma espaçonave russa Soyuz, além de viver a bordo da Estação Espacial Internacional.
Ao todo, ele passou 166 dias em órbita. Recentemente, ele ficou conhecido por gravar a música “Space Oddity”, de David Bowie, em gravidade zero. Hadfield já se aposentou como astronauta e passou a compartilhar seu conhecimento como em um novo curso na web na plataforma de ensino MasterClass.
Em uma matéria publicada na semana passada, o portal Business Insider afirma ter perguntado a Hadfield se ele tem esperanças de que a NASA, a SpaceX, a Blue Origin ou outras empresas ou governos que fazem parte da nova corrida espacial possam mandar pessoas para Marte e começar a colonizar o planeta vermelho na próxima década.
Sua resposta foi surpreendente.
“Poderíamos ter mandado pessoas para Marte décadas atrás”, disse Hadfield ao Business Insider. “A tecnologia que nos levou à lua e nos trouxe de volta quando eu era apenas uma criança – essa tecnologia pode nos levar a Marte”, sentenciou.
Segundo o Business Insider, cientistas como Wernher von Braun, que era o arquiteto chefe do foguete da NASA Saturno V, trabalharam para planejar uma missão tripulada a Marte já em 1952. Isso aconteceu mais de 15 anos antes da primeira missão Apollo.
Mas então, se já tínhamos a tecnologia, porque não estamos caminhando agora mesmo sobre o solo de Marte? Porque a tecnologia para a viagem espacial não é suficiente.
Hadfield observou que ter a habilidade de ir não significa que seria fácil, seguro ou valeria o risco das vidas humanas em jogo, mesmo considerando novas espaçonaves. “A maioria dos astronautas que enviássemos nessas missões não sobreviveria”, aponta.
Riscos
O maior risco de uma missão tripulada para Marte é a distância. “Marte está mais longe do que a maioria das pessoas pensa”, aponta Hadfield. E é verdade: há uma imensa distância entre a Terra e Marte. O planeta vermelho está cerca de 660 vezes mais longe de nós do que a lua. Uma viagem de ida e volta pode demorar 500 dias ou mais.
Conforme os dois planetas giram ao redor do Sol, essa distância é, ainda por cima, mutável. O mais próximo que a Terra e Marte podem estar é uma distância de 54,5 milhões de quilômetros.
O lançamento de veículos para Marte até agora levou de 128 a 333 dias. Esse é um período muito grande de tempo para se estar a bordo de uma espaçonave. Tão longe da Terra, a oportunidade de lançar missões de resgate seria quase impossível.
Além disso, há riscos de longo prazo. Por exemplo, os astronautas teriam problemas de saúde decorrentes da exposição à radiação do espaço profundo. De acordo com um estudo de 2016 publicado na revista Nature, voos para a lua expuseram 24 astronautas que fizeram a viagem a um risco muito maior de doença cardíaca.
Os riscos mais diretos das viagens espaciais também são numerosos, e não muito diferentes daqueles enfrentados pelos tripulantes das missões Apollo na década de 60.
Além do incêndio da Apollo 1, que matou três astronautas no solo durante um exercício de treinamento, a NASA quase perdeu a tripulação da Apollo 13 durante sua missão. A Apollo 11 quase ficou sem combustível antes de aterrissar na superfície lunar.
Tudo isso aconteceu quando a NASA estava apenas tentando enviar pessoas a 384 mil quilômetros de distância da Terra, por cerca de uma semana.
Tecnologias que poderiam diminuir os problemas de uma viagem deste tipo, que, além da radiação e dos riscos de explosões, incluem outros problemas, ainda não existem. E naves com proteção leve, mas eficaz, cápsulas de hibernação e sistemas de suporte à vida bio-regenerativos fazem parte apenas da imaginação ou dos filmes, por enquanto.
Navegadores
Hadfield compara os últimos planos de exploração de Marte às primeiras viagens de navio do século 15. “Fernão de Magalhães, quando zarpou em 1519, tinha cinco navios e 250 pessoas para tentar ir ao redor do mundo uma vez, e quase todos morreram”, aponta ele. “Eles só voltaram com 15 ou 18 pessoas e um dos cinco navios”.
Segundo Hadfield, os foguetes de hoje são comparáveis às velas dos veleiros usados nas viagens do século 15 por ainda queimarem combustíveis químicos (além de oxigênio) para decolar da Terra e viajar pelo espaço. “A queima de foguetes químicos é o equivalente a usar um veleiro ou um pedalinho para tentar viajar pelo mundo”, compara Hadfield.
Ao projetar uma espaçonave, os engenheiros precisam sacrificar a proteção contra radiação, suprimentos, ferramentas e espaço vital para garantir que haja combustível suficiente para a viagem.
É por isso que Hadfield acredita que o Sistema de Lançamento Espacial da NASA, o Big Falcon Rocket da SpaceX, ou o foguete New Glenn da Blue Origin, não revolucionarão as viagens espaciais como seus criadores costumam sugerir.
Todos estes projetos planejam queimar combustível para sua propulsão. Ou seja, são todos veleiros tentando viajar por um mundo bem grande.
“Meu palpite é que nunca iremos a Marte com os motores que existem em qualquer um desses três foguetes, a menos que seja necessário”, disse ele ao Business Insider. “Eu não acho que essas sejam maneiras práticas de mandar pessoas para Marte porque elas são perigosas e demoram demais, e isso nos expõe a um risco por um longo tempo”, rebate..
Não é que Hadfield seja contra que a humanidade tente pousar em Marte e até colonizá-lo. Pelo contrário, se não tivermos objetivos grandiosos, jamais conseguiremos avançar na exploração espacial. Mas devemos estar atentos aos graves riscos envolvidos em qualquer tentativa de chegar ao planeta vermelho usando as tecnologias de hoje.
O ex-astronauta acredita que os pesquisadores irão eventualmente encontrar uma maneira de chegar a Marte com segurança, e ele confia nisso devido aos avanços no voo espacial que ele testemunhou.
“O voo espacial era impossível quando eu nasci. E eu ainda estou vivo. Não faz muito tempo. Nós passamos do impossível para Peggy Whitson – que passou 665 dias no espaço – e seis pessoas vivendo em uma nave espacial nos últimos 17 anos e meio, continuamente. Nós deixamos a Terra. Nós nos estabelecemos no espaço, apenas na virada do século. Portanto, fizemos avanços extremamente rápidos”.
Mas se a NASA ou empresas privadas estiverem interessadas em visitar e eventualmente colonizar Marte, como espera o fundador da SpaceX, Elon Musk, Hadfield disse que deveria haver mais investimento em pesquisa básica.
“Alguém tem que inventar algo que ainda não pensamos”, disse Hadfield.
“Talvez o trabalho que está acontecendo com o Espectrômetro Magnético Alfa na estação espacial e no acelerador de partículas no CERN e em outros lugares mostre como podemos aproveitar a gravidade”, acrescenta o astronauta.
“Parece estranho, mas nós descobrimos como aproveitar a eletricidade e o que os elétrons fazem, e isso parecia uma loucura, e revolucionou nossa vida e as viagens”, conclui.
Ciberia // HypeScience / Business Inside