“Vai, Brasiiiiiil!”, grita o pequeno Adam, de três anos, no vídeo postado nas redes sociais por sua mãe. Adam nasceu em São Paulo, mas os pais são sírios.
Razan Suliman e Mohamad Dahhan chegaram ao Brasil em 2014, fugindo da guerra em seu país. Tiveram de comprar a passagem para agosto, após o fim da Copa do Mundo no Brasil, porque os preços estavam muito caros durante o evento.
Este é, portanto, o primeiro Mundial que eles acompanham morando no Brasil. “Nunca vi nada igual. A torcida é muito grande. As pessoas colocam roupa, bandeira no carro. Adorei”, diz Razan, 29.
Ela e a família seguiram o costume local: compraram camisa da Seleção, chapéu verde e amarelo e buzinas. “O Brasil já é nosso país também. Foi o país que acolheu a gente”, diz.
Assim como Razan, outros refugiados que moram no Brasil entraram no clima da Copa e fazem questão de mostrar, durante os jogos e em posts nas redes sociais, sua torcida pelo novo país.
Fãs antes do desembarque
Alguns já gostavam da Seleção Brasileira antes de vir para cá – caso do também sírio Abdulbaset Jarour, 28, que era tão fã do jogador Ronaldo (o “Fenômeno”) que, na Copa de 2002, adotou o corte ‘Cascão’ exibido pelo atacante na final contra a Alemanha.
Ele também viu o jogador Roberto Carlos em ação em uma partida inaugural do estádio de sua cidade, Aleppo – hoje destruída pelos combates da guerra civil no país.
No Brasil desde fevereiro de 2014, Abdo, como é conhecido, disse que sua paixão pelo futebol cresceu após chegar a São Paulo. Tornou-se corintiano, vai com frequência ao estádio ver o time jogar e, para a Copa, comprou máscara temática, tinta para o rosto e peruca verde e amarela.
“Aprendi a sofrer com o brasileiro”, diz ele, que costuma comentar os lances mais dramáticos em suas redes sociais.
A cada vitória da Seleção, Abdo sai pelas ruas com a bandeira no carro, música árabe alta no som, buzinando para outros torcedores nos bares. No Facebook, recebe parabéns dos amigos sírios que estão espalhados pelo mundo. “Me sinto brasileiro. Me envolvi com esse povo, me apaixonei pela história, pela simpatia, pela simplicidade.”
Mesmo sem entender bem como funcionam os bolões, Abdo se aventurou e participou de um junto com amigos – sem sucesso, até agora, lamenta.
Neste ano, o sírio está coordenando a Copa dos Refugiados, torneio entre times de imigrantes realizado em três Estados. Em Porto Alegre, a final será entre Senegal e Líbano. Em São Paulo e no Rio, o campeonato é realizado entre julho e agosto.
Para a partida de sexta da seleção brasileira na Copa da Rússia, ele acredita em uma vitória por 3 a 2. “Estou muito preocupado com a Bélgica porque eles são fortes e têm sorte. Mas, se Deus quiser, vamos ganhar.”
“Moscou” no Anhangabaú
O camaronês Guslarime Fomo, 34, também teme um jogo difícil contra a Bélgica. “Seria bom o Brasil vencer por 2 a 1. Mas acho que pode ir para os pênaltis”, diz o rapper, que se refugiou no Brasil em 2014 após sofrer perseguição por criticar o governo de seu país em suas músicas.
Já que Camarões não conseguiu a vaga para o Mundial deste ano, ele não teve dúvidas de para quem torcer. “Gosto do jogo do Brasil. É o melhor time do mundo.”
Quando é perguntado se, após quatro anos morando aqui, se sente um pouco brasileiro, responde: “Se eu me sinto? Não me sinto, eu sou brasileiro!”
O músico tem visto os jogos em “Moscou” – é assim que ele chama, de brincadeira, o Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, onde um telão transmite as partidas do torneio. Na disputa contra o México, postou fotos nas redes sociais vestindo camisa amarela, rodeado de torcedores e com uma réplica da taça da Copa na mão.
“País paralisado”
Já o venezuelano Alejandro Gerardo, 33, está esperando receber seu primeiro salário para comprar uma camisa da Seleção e vesti-la durante os jogos. Ele chegou aqui há cinco meses, por Roraima, e hoje mora em um abrigo municipal em São Paulo. Seus dois filhos ficaram no país de origem e, de lá, torcem para o Brasil na Copa também.
Alejandro diz que ficou surpreso com a mobilização no período do torneio. “É a primeira vez na vida que vejo um país paralisar por um jogo.”
De futebol ele entende: na Venezuela, Alejandro era técnico do esporte em uma ONG voltada para crianças e adolescentes de rua. Agora, vai treinar o time de seu país na Copa dos Refugiados.
“O Tite é minha maior fonte de inspiração”, afirma. “E o Neymar e o Thiago [Silva] são a fonte de vida para as crianças que jogam futebol na Venezuela”, completa.
Outra refugiada que entende de futebol é a moçambicana Lara Lopes, 34. “Jogo desde a minha infância. Gosto muito”, afirma. Na Copa, ela torce para os países africanos e para a Seleção Brasileira: “Sempre acompanhei muita coisa do Brasil, os jogadores, os clubes. E agora é o país que me acolheu“.
Lara saiu de Moçambique em 2013, após sofrer perseguição por sua orientação sexual. Hoje, faz faculdade e é estagiária em uma empresa em São Paulo. Diz que aqui se sente livre e em segurança.
Ela assistiu ao último jogo da seleção com dois amigos sírios, na casa de um deles. Sobre o jogo contra a Bélgica, acredita que vai para os pênaltis. “Mas vai dar Brasil”, completa.
Ciberia // BBC