Militantes pelos direitos humanos, jornalistas e opositores do mundo inteiro foram espionados através de um software desenvolvido por uma sociedade israelense, de acordo uma investigação publicada neste domingo (18) por um consórcio de veículos de comunicação.
Este poderia ser o caso de espionagem mais grave da história, após o revelado por Edward Snowden, que divulgou, em 2013, o sistema de vigilância mundial estabelecido pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.
As revelações do consórcio Forbidden Stories, com o apoio técnico do Security Lab da Anistia Internacional, mostram que a vigilância não é privilégio de países com práticas questionáveis, mas que a espionagem é generalizada a todas as nações. Segundo o documento, os alvos são advogados, jornalistas, diplomatas, médicos, esportistas, sindicalistas, militantes e políticos.
O programa em questão é o Pegasus da empresa NSO Group que permite, se introduzido em um smartphone, capturar fotos, contatos e até mesmo escutar as ligações realizadas pelo proprietário. A empresa israelense, fundada em 2011 e que já foi acusada de contribuir com regimes autoritários, garante que seu programa serve somente para obter informações contra redes criminosas e terroristas.
Mas as organizações Forbidden Stories e Anistia Internacional tiveram acesso a uma lista, estabelecida em 2016, de 50.000 números de telefone que os clientes da NSO selecionaram para serem potencialmente vigiados. O documento inclui celulares de ao menos 180 jornalistas, 600 representantes políticos, 85 militantes pelos direitos humanos e 65 diretores de empresas, de acordo com a apuração realizada por 17 redações.
Na lista, aparecem números de telefone como o do jornalista mexicano Cecílio Pineda Birto, assassinado algumas semanas após a aparição do documento. Também fazem parte correspondentes internacionais de veículos como Wall Street Journal, CNN, RFI, France 24, Mediapart, El País ou AFP.
Próximos de Jamal Khashoggi
Outros nomes de personalidades que aparecem na lista devem ser divulgados nos próximos dias pelo consórcio que realizou a investigação, entre eles o francês Le Monde, o britânico The Guardian e o americano The Washington Post.
Os jornalistas encontraram uma parte das pessoas cujos nomes são citados e recolheram 67 telefones que foram analisados por especialistas em um laboratório da Anistia Internacional.
A análise confirmou uma invasão ou tentativa de infiltração pelo software espião da NSO em 37 telefones, segundo os relatórios publicados. Dois dos aparelhos pertenciam a mulheres próximas ao jornalista saudita Jamal Khashoggi, assassinado em 2018, no consulado de seu país, em Istambul por agentes vindos da Arábia Saudita.
Para os 30 telefones restantes, os resultados não são conclusivos porque os proprietários dos números mudaram de aparelho. “Existe uma forte correlação de tempo entre o momento em que os números aparecem na lista e o começo da vigilância”, precisa o Washington Post.
A análise, que compromete a reputação da empresa, se soma a um estudo realizado em 2020 pelo Citizen Lab da Universidade de Toronto, que confirmou a presença do programa Pegasus em telefones de dezenas de empregados do canal Al Jazeera no Qatar.
NSO, a cyber start-up israelense
Quem são os fundadores da NSO, a cyber start-up israelense e quais são as atividades da misteriosa empresa? A sigla NSO representa as iniciais dos nomes dos fundadores da empresa implantada em Herzliya, ao norte de Tel Aviv, segundo o correspondente da RFI em Jerusalém, Michel Paul, Niv Carmi, Shalev Hulio e Omri Lavie, que participavam da unidade 8.200 do exército israelense especializada em cyberguerra.
Ao todo, a empresa tem 200 empregados, a maioria vindos dos serviços de espionagem eletrônica. O produto mais conhecido do grupo é o Pegasus, o software com fins maliciosos que ao ser introduzido em um celular pirateia todos os dados, principalmente emails, documentos e fotos.
Além disso, o malware permite ativar à distância e sem ser detectado o microfone e as câmeras do telefone para espionar o que acontece nas imediações do aparelho. Pegasus é vendido, segundo fontes da investigação, a 25.000 dólares por telefone pirateado. Diversas vítimas atacaram a empresa israelense na justiça, entre elas Facebook e WhatsApp, que afirmam que uma falha em seus sistemas foi explorada. A reação da empresa é sempre a mesma: afirmar que o programa é oferecido somente a agências governamentais para lutar contra o terrorismo e ações criminosas.
// RFI