Com vídeos de alguns segundos, narcotraficantes utilizam a plataforma para mostrar seu mundo. A Sputnik entrevistou analistas, explicando o fenômeno do Cartel TikTok.
Uma caminhonete com lâminas nos lados operadas por controle remoto: um carro adaptado para transportar droga. Jovens com maços de notas, bebidas e armas de alto poder, com a música que narra as façanhas dos narcotraficantes mexicanos tocando ao fundo.
Estes são os tipos de vídeos que aparecem na rede social chinesa com a hashtag #CartelTikTok. Trata-se de um novo gênero audiovisual que mostra as atividades de grupos do narcotráfico: reuniões luxuosas, plantações de papoula, carros blindados, muitas armas e dinheiro. Assim, um vídeo que mostra um aldeão plantando sementes no campo de papoula, conseguiu mais de 500 mil curtidas antes de ser deletado.
Para Alejandra León Olvera, dra. em Estudos Culturais no Colégio da Fronteira Norte (Colef), no México, estes vídeos correspondem ao narcomarketing, que consiste em “todas estas estratégias e toda esta estrutura que têm os cartéis mexicanos para fazer publicidade”, comentou a especialista à Sputnik.
Trata-se de “vídeos hedonistas que vão te convidar para consumir”, sendo “uma alusão a querer viver desta maneira, embora seja bem claro que no TikTok se podem usar áudios ou imagens que poderiam definir o verdadeiro narcotráfico e o verdadeiro narcomundo, [e] talvez seja isto que o torna mais atraente”, sublinhou.
Mas, atrás desta vida idealizada por seus luxos, está escondido sangue derramado por todo o México. Assim, segundo o Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal (CCSPJP), “o México é um epicentro da violência mundial”, uma vez que 19 dos 50 cidadãos mais violentos do mundo se encontram neste país.
#CartelTikTok: estratégia de recrutamento?
O narcotráfico se tornou um dos temas mais usados e consumidos na indústria do entretenimento. Ao mesmo tempo, surge uma dúvida de se este tipo da publicidade – intencional ou não – poderia também se converter em uma estratégia de recrutamento para que mais jovens se unam às filas dos cartéis de droga.
Analisando este aspecto, León Olvera comenta que os vídeos difundidos no TikTok e em outras redes sociais não têm este objetivo, “mas, sim, geram uma ideia de como se vive no narco, então este pode ser plausível para pessoas que queiram ingressar”.
Apesar de os cartéis de droga não usarem vídeos do TikTok como um meio de recrutamento, a especialista do Colef menciona que estes poderiam ser considerados uma forma de “estetização da violência”. No entanto, na indústria do entretenimento, não há uma intenção clara de frear conteúdos que envolvam ou promovam as atividades do narcotráfico.
Laura Coronado, acadêmica da Universidade Anáhuac (México) e especialista em regulação global do espaço cibernético, acredita que o que acontece no caso do TikTok é que “se tornou uma plataforma social gigantesca graças à soma dos usuários da China com os do resto do mundo, o posicionando como uma grande janela, porque outras redes sociais não têm acesso ao mercado asiático. Sem dúvidas, foi um dos grandes beneficiários pela pandemia e não quer perder seguidores. Por isso a rede demonstrou pouco interesse em detectar conteúdos prejudiciais como narcopropaganda ou desinformação sobra a COVID-19”.
Por isso mesmo, a acadêmica alerta que “o TikTok está se tornando uma ferramenta perfeita para difundir mensagens sem censura”.
Cultura dos narcos: existe uma regulamentação?
Para León Olvera, o fenômeno dos vídeos no TikTok ou qualquer outro recurso de entretenimento proveniente da indústria do narcotráfico persegue um duplo objetivo. “Posicionar-se […] e de alguma maneira acobertar a outra parte [a violência gerada pelo narcotráfico].”
Apesar de poder medir estatisticamente o impacto da violência gerada pelo narcotráfico, a promoção mundial do crime organizado não é regulamentada tanto a nível de política pública como no espaço virtual.
A especialista aponta que isso acontece porque a velocidade com a qual se usam as redes sociais é tão vertiginosa, tornando “humanamente impossível” detectar cada um dos posts que podem ser violentes ou incitar ao ódio.
No entanto, Coronado destaca que “nem tudo o que acontece nas redes é mau. Existem muitos casos, onde autoridades mexicanas e as de outros países conseguiram detectar, investigar e perseguir membros de cartéis graças à informação que publicam nas plataformas sociais. Também há muitos grupos nos quais os próprios cidadãos denunciam ilícitos ou avisam outros cidadãos sobre lugares tomados pelos narcos”.
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