Ao fugir com sua família da violência do Talebã no Afeganistão, em 1999, a então adolescente Zohre Esmaeli não poderia imaginar que se tornaria, quase 20 anos depois, o novo rosto da Alemanha para o mundo.
Esmaeli, de 32 anos, foi escolhida para substituir a top model Claudia Schiffer na campanha “Alemanha – País das Ideias“, criada pelo governo federal alemão e pela Federação da Indústria alemã em 2006 para promover a imagem do país no exterior.
“Aceitei a proposta sem pensar muito. É um orgulho emprestar meu rosto para a campanha depois da Claudia Schiffer. Além disso, assim posso agradecer a Alemanha, país que me ofereceu oportunidades para construir uma nova vida e no qual me sinto em casa”, afirma a modelo.
Não apenas a beleza, mas a história da modelo também pesou na escolha dos organizadores da campanha. Segundo a presidente da iniciativa, Ute Weiland, Esmaeli, que também tem cidadania alemã, personifica uma sociedade aberta à diversidade, à inovação e disposta a ajudar o próximo.
No auge da crise migratória na Europa, em 2015, a Alemanha recebeu quase um milhão de refugiados. Apesar de críticas, a sociedade alemã em geral se mostrou receptiva e apoiou a decisão da chanceler Angela Merkel de abrir as fronteiras do país.
Neste contexto, a escolha de Esmaeli para substituir Claudia Schiffer como novo rosto da Alemanha pode ser interpretada também como um posicionamento político dos organizadores da campanha.
Fuga e adaptação
Nascida em Cabul, Esmaeli passou sua infância no Afeganistão. Ao completar 13 anos, seus pais decidiram fugir da guerra civil que tomava o país governado pelo regime do Talebã – movimento que surgiu no início dos anos 1990 e prega uma versão linha-dura da Sharia, a lei islâmica.
Após vender tudo o que tinha, a família começou a jornada rumo à Europa.
Durante seis meses, Esmaeli, seus pais e dois irmãos percorreram a pé e de trem, sempre com medo de serem pegos, os mais de 5 mil quilômetros que separam o Afeganistão da Alemanha. A chegada ao destino, porém, não significou o fim das dificuldades enfrentadas pela família.
“Quando chegamos à Alemanha, há 18 anos, tínhamos enfrentado uma fuga longa, com situações horríveis, e aqui nos sentimos muito sozinhos. Não havia ninguém para nos explicar as regras e como as coisas funcionavam”, conta Esmaeli.
Durante quase dois anos, a família viveu num abrigo para requerentes de asilo em Kassel, na região central da Alemanha. A modelo lembra que, nesta época, passou por muitas situações desagradáveis e chegou a sofrer discriminação, sobretudo no colégio.
Tudo por diferenças culturais que poderiam ter sido minimizadas se a família tivesse recebido orientação sobre essas questões.
Esmaeli passou então a observar seu entorno para descobrir como as coisas funcionavam. “Para mim foi importante me despedir da maneira antiga de pensar, mas sem renegar meu país de origem, além de deixar de lado preconceitos e medos e estar aberta para uma outra cultura.”
Conflitos familiares
Com a integração na nova cultura, no entanto, surgiram os primeiros conflitos entre Esmaeli e sua família. A adolescente decidiu parar de usar o hijab, véu usado por mulheres muçulmanas para cobrir o cabelo, e enfrentou a resistência dos pais.
Aos 17 anos, Esmaeli, que sonhava em se tornar engenheira elétrica no setor da aviação, foi descoberta por uma agente de modelos enquanto fazia compras numa loja de roupas. Imaginando a reação dos pais, ela foi à agência em segredo e também não revelou a ninguém quando fez suas primeiras fotos pelo novo emprego.
Quando o segredo veio à tona, Esmaeli foi obrigada a escolher entre a carreira e a família. “Meus pais não acham a profissão adequada para mim. Resolvi lutar contra toda resistência, pois era uma chance de tomar o rumo da minha vida nas minhas mãos”, lembra.
Naquela mesma época, a família planejava o casamento de Esmaeli. Para evitar a união com um pretendente que não conhecia e priorizar a carreira, ela fugiu de casa e passou anos sem manter contato com os pais.
Com o tempo, ela voltou a falar com os familiares, mas até hoje sua profissão é um tabu nas conversas.
Apesar de ter morado em Paris, Londres e Nova York, Esmaeli jamais esqueceu as dificuldades enfrentadas na infância no Afeganistão e como refugiada na Alemanha. Por isso, há anos ela se dedica a projetos voltados a facilitar a integração de requerentes de asilo e a iniciativas de auxílio humanitário na sua terra natal.
O engajamento lhe rendeu, em 2014, a indicação para o posto de embaixadora alemã contra a discriminação.
Embora não tenha esquecido o Afeganistão, Esmaeli nunca mais pisou em sua terra natal, em guerra há décadas. A modelo, porém, diz não ter perdido as esperanças de que algum dia a situação no país volte ao normal, para que ela possa visitar o local onde nasceu e passou sua infância.
// BBC