Um grupo de astrônomos mostrou que as estrelas mais rápidas da nossa Galáxia – que viajam tão depressa que conseguem escapar às “garras gravitacionais” da Via Láctea – são, de fato, estrelas fugitivas de uma galáxia muito menor em órbita da nossa.
Pesquisadores da Universidade de Cambridge usaram dados do SDSS (Sloan Digital Sky Survey) e simulações de computador para demonstrar que estes “sprinters” estelares são originários da Grande Nuvem de Magalhães (GNM), uma galáxia anã em órbita da Via Láctea.
Estas estrelas em movimento rápido, conhecidas como estrelas hipervelozes, conseguiram escapar do seu lar original quando a explosão de uma estrela em um sistema binário fez com que a outra voasse com tanta velocidade que conseguiu escapar à gravidade da GNM, tendo sido absorvida pela Via Láctea.
Os resultados foram publicados na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society e apresentados no dia 5 de julho no Encontro Nacional de Astronomia do Reino Unido.
Os astrônomos pensaram primeiro que as estrelas hipervelozes, estrelas grandes e azuis, poderiam ter sido expulsas do centro da Via Láctea por um buraco negro supermaciço.
Outros cenários envolvendo galáxias anãs desintegrantes ou enxames estelares caóticos também podem explicar as velocidades dessas estrelas, mas todos os três mecanismos não conseguem explicar porque só são encontradas em uma determinada parte do céu.
Até a data, foram observadas cerca de 20 estrelas hipervelozes, principalmente no hemisfério norte, embora seja possível que existam muitas mais que só podem ser observadas no hemisfério sul.
“As explicações anteriores da origem das estrelas hipervelozes não me satisfaziam. As estrelas hipervelozes podem ser encontradas principalmente nas constelações de Leão e Sextante – e nos perguntamos por quê”, comenta Douglas Boubert, doutorando do Instituto de Astronomia de Cambridge e autor principal do artigo.
Uma explicação alternativa para a origem das estrelas hipervelozes é que são fugitivas de um sistema binário. Nos sistemas binários, quanto mais perto estiverem as estrelas entre si, mais rápido se orbitam uma à outra.
Se uma estrela explodir como supernova, isso pode fragmentar o binário e a estrela restante é expelida à velocidade com que orbitava. A estrela remanescente é conhecida como estrela fugitiva.
As estrelas fugitivas originárias da Via Láctea não são rápidas o suficiente para serem hipervelozes, porque as estrelas azuis não podem orbitar suficientemente perto sem que as duas estrelas se fundam. Mas uma galáxia de rápido movimento poderia dar origem a estrelas velozes.
A Grande Nuvem de Magalhães é a maior e mais rápida das dúzias de galáxias anãs em órbita da Via Láctea. Só tem 10% da massa da Via Láctea, de modo que as estrelas fugitivas mais rápidas, nascidas na galáxia anã, podem facilmente escapar à sua gravidade.
A GNM orbita a Via Láctea a 400 km/s e, como uma bala disparada em um trem em movimento, a velocidade destas estrelas fugitivas é composta pela velocidade com que foram expelidas mais a velocidade da GNM. Este valor é suficientemente alto para se tornarem estrelas hipervelozes.
“Estas estrelas saltaram de um trem em alta velocidade – não é de se admirar que sejam rápidas. Isto também explica sua posição no céu, porque as fugitivas mais rápidas são ejetadas ao longo da órbita da GNM na direção das constelações de Leão e Sextante”, comenta Rob Izzard, coautor do artigo e pesquisador do Instituto de Astronomia de Rutherford.
Os cientistas usaram uma combinação de dados do SDSS (Sloan Digital Sky Survey) e simulações de computador para modelar como as estrelas hipervelozes podem escapar da GNM e acabar na Via Láctea, e simularam o nascimento e a morte de estrelas na GNM ao longo dos últimos 2 bilhões de anos e anotaram todas as estrelas fugitivas.
A órbita das estrelas fugitivas, depois de serem expulsas da GNM, foi então seguida em uma segunda simulação que incluía a gravidade da GNM e a da Via Láctea. Essas simulações permitem que os cientistas antecipem onde, no céu, podem encontrar estrelas fugitivas da GNM.
“Somos os primeiros a simular a ejeção de estrelas fugitivas da GNM – prevemos que existam 10 mil fugitivas espalhadas pelo céu”, acrescenta Boubert.
Metade das estrelas simuladas que escaparam da GNM são suficientemente rápidas para escapar da gravidade da Via Láctea, tornando-as hipervelozes. Caso as estrelas hipervelozes anteriormente conhecidas sejam estrelas fugitivas, isso também explicaria a sua posição no céu.
As estrelas azuis e massivas terminam suas vidas colapsando para uma estrela de nêutrons ou um buraco negro, após centenas de milhões de anos, e as estrelas fugitivas não são diferentes.
A maioria das estrelas fugitivas na simulação morreu “em voo” depois de serem expulsas da GNM. As estrelas de nêutrons e os buracos negros, deixados para trás, apenas continuam o seu caminho.
Assim, além das 10 mil estrelas fugitivas, os cientistas também estimam a existência de um milhão de estrelas de nêutrons e buracos negros a voar através da Via Láctea.
“Saberemos em breve se estamos corretos. O satélite Gaia da ESA lançará um catálogo de dados sobre milhares de milhões de estrelas no próximo ano, e deverá haver uma trilha de estrelas hipervelozes no céu entre as constelações de Leão e Sextante no norte e a GNM no sul”, conclui Boubert.
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